Relatos do primeiro ato de 2016 contra o aumento das tarifas de transporte

jan 10, 2016 | Artigos e Publicações, Ativismo, Manifestações, Opinião PIRATA | 0 Comentários

Na Sexta-Feira 8 de Janeiro, milhares foram às ruas contra o aumento das tarifas de transporte. Como de habitual, os atos se iniciaram de forma pacífica. A exceção que já se tornou regra: ações de policiais infiltrados (P2), flagrantes forjados, bombas jogadas de forma aleatória em transeuntes, alguns presos e feridos.

Os relatos abaixo são de piratas que estiveram presentes nos atos das três capitais:

Belo Horizonte

O ato, como se é tradicional em Belo Horizonte, se concentrou na Praça Sete. Havia rumores de uma greve ‘branca’ da polícia e o contingente nas ruas foi menor que em outros atos. Avistamos um drone de uma empresa privada gravando tudo. Às sete horas, o ato deu a volta no Pirulito e, diferentemente do habitual, subiu a rua Amazonas em direção ao Barro Preto, o que causou um certo desconforto a PM que, ajudada por motos da guarda municipal, parava frequentemente na frente do ato somente para ser forçada a recuar.

Chegando na praça Raul Soares, foi queimada uma catraca de papelão e feita uma ciranda.

Em seguida se seguiu a rua Augusto de lima e se terminou o ato na frente da prefeitura, onde manifestantes aleatórios queimaram um saco de lixo e foi feito uma série de jograis. Podia ser claramente visto durante o percurso o apoio de prédios e bares. Compareceram militantes do PSTU, PCR, MEPR, punks e outros movimentos.

Após o final do ato em entrevista a Itatiaia, principal rede de rádio de BH, manifestantes deram uma estimativa para os números de presentes, e quando o comandante do choque, que foi ‘driblado’ por ‘olés’ durante o trajeto e se reunia em peso na prefeitura, fez a sua estimativa um manifestante riu, e o policial foi para cima de outro como se aquilo fosse uma briga e tentou forçar uma reação para prender os demais. Ouça a partir dos 4 minutos:

 

Rio de Janeiro

Ontem, o centro do Rio presenciou o primeiro ato relacionado ao aumento das passagens de ônibus. Na concentração, um contingente excessivo de policiais se preparava para seguir o ato e eventualmente reprimi-lo. A presença de policiais P2 foi notada ali no meio da praça. Dentre as pessoas que estavam em cima do carro de som, havia uma maioria de militantes de partidos como PCdoB, PSOL e PT, que forçava a repetição de votações relacionadas ao trajeto do ato até que passasse a opção que queria. Já na ALERJ, houve ainda outra votação, mas as mesmas manobras não surtiram efeito e militantes que tentavam dirigir o ato tiveram de aceitar a ida até a Central, que já havia sido aprovada na primeira votação lá na Cinelândia.

 O ato seguiu em direção à Central, onde a polícia já estava dentro da estação e do outro lado da catraca, para impedir que manifestantes pulassem e incentivassem outras pessoas a fazer o mesmo, segundo informes. Ao chegar lá, o ato foi simplesmente decretado como tendo “terminado”. No entanto, manifestantes continuaram a fazer aquilo que saíram de casa para fazer: manifestar-se. A polícia passou a perseguir pessoas com pistolas em mãos e em grupos, procurando “black blocs” inclusive em pontos de ônibus. Também nas adjacências da Central, havia militares do exército com fuzis e pistolas em mãos. O confronto teve início quando uma resposta à atuação da Guarda Municipal foi rebatida, por sua vez, por bombas de gás. Pessoas que estavam pela rua se juntaram à resistência contra a GM, e a polícia também entrou no meio após ser atingida por pedras.

Em determinado momento, a polícia começou a atirar uma quantidade enorme de bombas de gás para dentro do Morro da Providência, empregando também algumas bombas de efeito moral, mesmo o ato não estando ali. Aos poucos, tentava avançar para dentro do morro e através da densa nuvem de gás que criou. Enquanto parte da tropa atuava nesse sentido, policiais da cavalaria atacavam as pessoas que estavam por perto, destruindo inclusive o isopor de um camelô que ali trabalhava. Esses policiais tinham SABRES nas mãos e jogavam os cavalos para cima de quem estava ali se manifestando ou registrando a violência policial, mandando as pessoas irem embora. Não temos registros de pessoas fisicamente feridas por essa ação.

Já na subida para o Morro da Providência, moradores tentavam resistir ao avanço violento das tropas de choque. Um rapaz que gritava ser menor foi arrastado lá de dentro e levado para a 17ª DP, felizmente acompanhado por um advogado que se encontrava no ato. O ataque ao morro diminuiu bastante em intensidade após a detenção do rapaz, mas bombas de gás continuaram sendo lançadas. Ao fim do ato, as pessoas detidas também receberam acompanhamento jurídico necessário e foram liberadas.

No vídeo abaixo policiais à cavalo empunham sabres:

São Paulo

Marcada para começar as 18h00, a concentração do protesto contra o reajuste ocorreu em frente ao Teatro Municipal, edificação icônica do Centro Velho de São Paulo. O clima era tranquilo e a algumas quadras dali os estabelecimentos estavam cheios, num clima de sexta-feira pós-expediente. Já nos entornos do Teatro Municipal se verificava um grande número de sirenes, carros e outros equipamentos da Polícia prontos para acompanhar os manifestantes. 

O protesto iniciou contornando todo o quarteirão do Teatro rumo ao Largo do Paissandu, próximo à Galeria do Rock, acompanhado por um grande efetivo policial. A maior parte dos manifestantes eram jovens, muitos com identidade visual remetendo ao movimento punk, outros simplesmente universitários de jeans, tênis e camiseta. Havia um grande número de coletivos presentes, assim como membros da UJS, PCO, UBES, muitos carregando faixas, tambores e identificados por camisetas. Havia também muitas garotas identificadas com símbolos do movimento feminista, com cartazes, pinturas corporais ou camisetas. Aos poucos outros grupos foram agregando ao protesto, incluindo trabalhadores, moradores de rua, além de um grande número de fotógrafos e repórteres. A própria Polícia tinha uma dupla equipada com uma câmera antiga com tripé, filmando toda a manifestação de um ponto mais amplo.

O fluxo contornou tranquilamente o Largo do Paissandu, seguindo em direção ao Vale do Anhangabaú. A maior parte do comércio no entorno permanecia aberto e os passantes intensificaram o movimento nos bares com a venda de cerveja, água ou salgados aos manifestantes. Em determinado ponto, um senhor exaltado na casa dos 50 anos gritava para as pessoas que passavam: “o que vocês querem é o desmonte da Previdência! Que tipo de esquerda é essa? sendo prontamente vaiado.

A manifestação seguiu pelo Vale do Anhangabaú que, graças à sua amplitude, permitiu contemplar como era grande número de participantes reunidos até então. Era uma grande coluna de pessoas que estendia até além do horizonte. Entre eles estavam a jornalista Laura Capriglione dos Jornalistas Livres, quase anônima com sua pequena câmera na mão e parecendo animada com o que via. Quando o protesto passou pelo Viaduto do Chá havia uma grande bandeira do MPL hasteada pedindo pelo Passe Livre, mostrando que a rota já havia sido definida com alguma antecedência. Em um dos extremos do Vale estava um pequeno contingente de Guardas Municipais afastados, que se limitavam a acompanhar tudo com os braços cruzados e conversando entre si.

Já no final do Vale do Anhangabaú, o protesto que até então havia se limitado às calçadas ou vias de pouco movimento foi em direção ao encontro da Avenida 23 de Maio com a 9 de Julho, um dos pontos de maior movimento no sistema viário da capital – o objetivo era de dar maior visibilidade à mensagem com a perturbação no cotidiano do trânsito. O protesto se dirigiu à 9 de julho no sentido norte-sul, mas em seguida uma parte dos manifestantes começou a bloquear também a passagem da 23 de Maio, também na direção norte. Nesse momento de confusão, a Polícia iniciou a repressão, atirando um grande número de bombas de efeito moral. A justificativa oficial dada na imprensa foi de que as tropas treinadas, equipadas e armadas foram encurraladas pelos manifestantes munidos de cartazes e mochilas, o que forçou” a tropa a agir em legítima defesa.

As bombas geraram uma reação rápida naquela multidão que estava concentrada e rapidamente se dispersou em todas as direções, mas com rápida interação para reagrupar em frente ao Municipal. O gás lacrimogênio se espalhou por todo o vale do Anhangabaú e mesmo as pessoas que não estavam envolvidas no protesto começaram a correr para as ruas paralelas, buscando alívio dos efeitos do gás. Depois da dispersão do corpo principal do protesto, foi possível perceber um grande número de motos e viaturas se deslocando em alta velocidade e se espalhando.A partir desse momento começaram todos os principais pontos de tensão, vandalismo e conflito relatados e enfatizados pelo jornalismo televisivo. Esses pontos de conflito não se limitaram a uma única região, se disseminando por todo o centro velho da cidade, principalmente nos locais pelo qual o protesto havia passado anteriormente.

Após o ocorrido, grande parte do centro da cidade foi bloqueado, com equipes da polícia, inclusive da tropa de choque, espalhadas por vários pontos estratégicos como o Viaduto do Chá. Aproximadamente às 19h, estações do metrô no entorno – Anhangabaú, República, São Bento e Sé – foram fechadas para impedir que manifestantes tentassem entrar. Da Praça do Patriarca se ouviam as bombas na 9 de Julho. Enquanto o conflito se desenrolava às portas da estação Anhangabaú, trabalhadores em fim de expediente encontram as estações fechadas e foram surpreendidos por bombas de gás atiradas para cima do Viaduto do Chá, onde nesse momento não havia manifestantes.

Dali, o cenário era muito diferente do transmitido pelas emissoras: não havia quaisquer sinais de depredação. Mesmo assim, viaturas começavam a surgir e seus motoristas não hesitaram em “jogar o carro” em cima de ambulantes e outras pessoas que transitavam pelo viaduto. Em outro momento, conforme os grupos se dispersavam do Vale, indo em direção à Praça Roosevelt, Paissandu e Teatro Municipal, a tropa de choque começou também a reprimir passantes e trabalhadores totalmente alheios ao protesto no chá, que se viram forçados a fugir para outras ruas. Além das carabinas usadas para as bombas de gás e efeito moral, calibre 12, muitos policiais mantinham em mãos suas pistolas e não hesitavam em levantá-las em vários momentos, mesmo estando em um uma região densamente povoada.

Do Viaduto do Chá, ainda foi possível presenciar a passagem de camburões, usados para a detenção de manifestantes, policiais em motocicletas e o remanejamento das viaturas que estavam na Patriarca, que saíram cantando pneus e em direção perigosa deliberada, como se estivessem se exibindo ou competindo entre si. As viaturas seguiram para os vários pontos onde houvessem focos de protesto, neste ponto espalhados pelo Centro, da Consolação ao Paissandu.

A atuação da polícia está carregada de insinuações e significados. O porte de armas letais e uso de bombas a esmo em regiões adensadas, combinada à tática de sitiamento da região e suspensão do acesso às estações de metrô, demonstra um uso preocupante de força indiscriminada, tanto contra trabalhadores como transeuntes eventuais e moradores – ainda que custasse, como efetivamente custou, a integridade de pessoas que sequer participavam dos protestos. Os momentos de deboche, incluindo as bombas lançadas longe da manifestação e as “brincadeiras” com as viaturas, sugerem que as equipes tinham licença para lidar com a situação como bem entendessem. Ainda que houvesse algum tipo de vandalismo, todo o ordenamento jurídico brasileiro é claro ao determinar que a proteção dos inocentes esteja acima do direito de punição do Estado, mesmo em flagrante. Inquietante também é o uso de policiais infiltrados (P2), frequentemente acusados de implantar provas e provocar atos de vandalismo, com base nos quais criaria as prisões em flagrante e situações de “confronto” (um uso bastante benevolente do termo, em que um lado tem escudos e armas letais e o outro tem no máximo pedras arrancadas do petit-pave).

No vídeo abaixo ‘modus operandi’ da Polícia Militar:

Galeria de fotos:

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