Considerações sobre a Reforma Trabalhista à luz do Programa Pirata

ago 8, 2017 | Notícias | 1 Comentário

Passado pouco mais de um ano desde o seu início, encontramos o Governo Temer em uma situação não muito diferente da que o Governo Dilma se encontrava, contando com baixíssima popularidade, índices de aprovação abaixo dos dois dígitos, mas dessa vez sofrendo acusações de corrupção que envolvem agora diretamente o Presidente da República. Diante de tudo isso, a pouca legitimidade que foi pleiteada junto aos grupos hegemônicos, como Bancos, Grupos de Empresários e Grandes Corporações, vai se desvanecendo na medida em que fica claro que os custos de manutenção de Temer no poder vão se tornando cada vez maiores. 
         
         Nesse sentido, mais importante que julgar o mérito ou a legitimidade de um governo que continua sangrando em praça pública é questionar a efetividade que essas reformas promovidas pelo governo possa ter em efetivamente resolver problemas econômicos do país
         
        O eixo principal das reformas é no mínimo questionável.  Ainda que reformas  sejam necessárias, a forma como elas estão sendo conduzidas e as escolhas que o governo está tomando são objeto de muitos questionamentos, principalmente quando trazem um impacto tão custoso para a maioria da população já em condições precarizadas pelo atual cenário econômico principalmente quando a contrastamos com reformas que poderiam efetivamente levar a uma reformulação do modelo atual como a Reforma Tributária e a Reforma Política, essa última sendo tocada de maneira autônoma pelo Congresso.     
     
        Em um cenário extremo em que toda a sociedade, e não apenas os mais ricos, tenham que partilhar o ônus da irresponsabilidade de governos anteriores, é preciso refletir sobre o quanto as relações com bancos e corporações foram motivadores para tais ações em que a maioria da população, já onerada por séculos de governantes a serviço das elites do país, acaba por ser vítima de mais danos
                
        Diante disso, trazemos uma análise em 3 pontos, embasadas em alguns trechos de nosso Programa.
        
1. Reorganização interna de empresas públicas ou privadas em modelos cooperativos autogestionados
 
        Defendemos que associações, federações, cooperativas, kibutz, commons e outras formas de organização que funcionem de maneira horizontal, descentralizada e autônoma, sejam alternativas para substituir e combater as grandes corporações e os oligopólios, estatais e privados, que justamente se utilizam de regulamentação e interferência estatal para manter seus lucros e seus sistemas de exploração de mão-de-obra e modelos de negócio abusivos. São as pessoas trabalhadoras que devem ser detentoras de qualquer retorno financeiro de seu trabalho, de forma que elas sejam conjuntamente as donas e acionistas das empresas e outras formas de organização nas quais trabalhem” 
        
        [2.2 Estado, regulamentação e serviços]
“A economia solidária se apresenta como alternativa de geração de trabalho e renda e como uma resposta a favor da inclusão social. Compreende uma diversidade de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas populares, associações, clubes de troca, empresas autogestionadas, redes de cooperação, organizações de comércio justo, moeda social, entre outras, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário. Nesse sentido, compreende-se por economia solidária o conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito organizadas sob a forma de autogestão. Considerando essa concepção, a economia solidária possui as seguintes características: cooperação, autogestão, solidariedade, colaboratividade e preocupação com o meio ambiente.
 
        A economia solidária permite o empoderamento da pessoa que trabalha, no sentido dela ter acesso a todo o processo produtivo, desde a origem do produto até a comercialização. Essa forma de organização econômica não enfatiza o lucro, o acúmulo e a exploração dos recursos, mas sim a relação entre as pessoas e com o mundo, de forma colaborativa e horizontal. Para isso, ela se utiliza de tecnologia social e open source, tornando as pessoas envolvidas em disseminadoras de conhecimento, promovendo a troca entre saberes técnicos e saberes populares.” [14.1 Microcrédito, cooperativismo e economia solidária]
        
        Acreditamos na democratização do ambiente de trabalho, com o incentivo à formação de ambientes mais horizontais nos quais a voz das pessoas empregadas sejam levadas em consideração no momento do estabelecimento de objetivos, metas e demais atribuições do trabalho. Somos a favor da diminuição da coerção nas relações verticais e até horizontais nas organizações.” [14.2 Democratização do ambiente de trabalho
        
        Nós PIRATAS entendemos que a horizontalização das relações trabalhistas pode criar ambientes onde a coerção não seja a principal forma de relacionamento entre uma empresa e as pessoas que nela trabalham, sendo complementada por relações baseadas na cooperação.
        
       Dito isso, o escopo da reforma trabalhista que foi recentemente aprovada não é capaz de gerar os incentivos necessários para a recuperação econômica, pois a mesma foca em apenas formalizar novas modalidades e certos aspectos das relações trabalhistas que já existiam de maneira informal (ou seja, de maneira pirata”). E embora essas novas modalidades sejam bem vindas quando consideramos trabalhos altamente qualificados e de caráter estratégico, como na área de tecnologia, temos que considerar que esse tipo de trabalho é exercido apenas por uma modesta minoria.     
        
        Assim, ao mexer em coisas como o aumento da jornada de trabalho, pausa do trabalho de meia hora, permissão de hora extra em trabalho parcial e até mesmo o trabalho de mulheres grávidas em situações insalubres, a reforma trabalhista (PL 6787/2016) acaba ameaçando grande parte da segurança jurídica das pessoas trabalhadoras. Essa insegurança se torna ainda mais clara com a proposta de reforma do trabalho rural (PL 6442/2016), que chega ao nível de permitir trocar salário por moradia e comida, jornada de trabalho de até 12 horas, fim do descanso semanal, e a possibilidade de se trabalhar por até 18 dias seguidos sem descanso.
        
        Por fim, temos o entendimento de que a terceirização em qualquer âmbito, seja como atividade-meio ou atividade-fim, propicia uma maior precarização do trabalho por aumentar o número de intermediários envolvidos e acabar favorecendo reduções salariais, ambientes de trabalho mais insalubres e desiguais, maior dificuldade de organização das pessoas trabalhadoras e a centralização do poder de barganha nas mãos dos proprietários de empresas de serviço terceirizado.
        
2. Papel e modo de organização dos sindicatos
        Os grupos de pessoas trabalhadoras têm importância na sociedade, dessa forma é fundamental para além de garantir o direito desses grupos, que medidas estritamente corporativas que prejudiquem a população não sejam incentivadas e que as pessoas que trabalhem em qualquer profissão tenham garantidas a livre-associação e uma possibilidade real de sair do ciclo corporativista sem sofrer rechaços das instituições.
        
Lutamos pela transformação do sindicalismo partidário-estatal brasileiro em associativismo laboral autogestionado e livre da tutela do Estado. Os sindicatos precisam ser livres da tutela do Estado e da ligação político-fisiológica com qualquer instituição. É preciso permitir a livre associação sindical à pessoa que trabalha e conferir aos sindicatos mecanismos horizontais de participação em todos os níveis.” [14.4 Contra o corporativismo danoso à todo o corpo de sociedades de categorias profissionais
 
       O atual modelo sindical, criado durante o governo Vargas como uma maneira de submeter o movimento operário às vontades do Estado, serviu para enfraquecer imensamente os sindicatos de posicionamento libertário e autogestionado que à época existiam no país (mais detalhes sobre o tema você pode ler nesse artigo: https://partidopirata.org/100-anos-da-greve-geral/), particularmente influenciados por ideais anarcossindicalistas trazidos por imigrantes europeus no começo no século XX. 
        
        As consequências desse processo podem ser vistas atualmente. Vemos, por exemplo, durante os governos do PT, o amansamento das centrais sindicais ligadas à sua base aliada; o aparelhamento de sindicatos por diversos partidos de todos os lados do espectro ideológico; a existência de dezenas ou centenas de sindicatos-fantasma”, que não possuem ações reais em prol das categorias que supostamente representam, mas existem apenas para receber dinheiro de imposto sindical; e o distanciamento entre as diretorias dos sindicatos e as chamadas bases, fruto da obrigatoriedade de associação e irrelevância cotidiana dos sindicatos na vida das pessoas de cada categoria.
 
        
3. Microcrédito e da renda mínima incondicional
 
“Defendemos o incentivo e o fomento de políticas de microcrédito, bem como a criação de cooperativas locais na busca de melhor desenvolvimento, conforme particularidades regionais, visando desenvolver e fortalecer peculiaridades econômicas locais.
 
O microcrédito pode ser entendido como crédito para pessoas de baixa renda ou microempreendedoras sem acesso ao crédito formal, dado sem garantias reais, propiciando mecanismo auto-sustentável de combate à pobreza e à exclusão social. Três pontos importantes merecem ser destacados na definição: a) o foco nas pessoas de baixa renda ou microempreendedoras sem acesso ao crédito formal; b) a forma peculiar e adequada ao público-alvo de entrega do crédito; c) o mecanismo auto-sustentável de combate à pobreza e à exclusão social.” 
 
[14.1 Microcrédito, cooperativismo e economia solidária]
“Piratas defendem que se busquem meios viáveis de se assegurar renda mínima e incondicional a todas as pessoas, independente de sua condição de vida.” [14.5 Renda mínima incondicional]
 
       Modelos de organização social considerando ou não a existência de um Estado, deveriam funcionar de forma que todas as pessoas tenham garantido o básico para sua sobrevivência, englobando todas as formas de contribuições elas possam dar a essa sociedade. A desobrigação do trabalho como o conhecemos hoje possibilita novas formas de pensar sobre o viver em sociedade. 
       
       A criação artística e o aprofundamento de estudos científicos de uma pessoa, por exemplo, sucumbem à necessidade imposta pelo produtivismo de se submeter a relações trabalhistas com modelos obsoletos, ou em ramos de emprego cuja natureza coloca muitas vezes as pessoas trabalhadoras se questionando da própria necessidade de estarem ali [ver https://laboramor.com.br/sobre-o-fen%C3%B4meno-dos-trabalhos-de-merda-3dc505ef1d01 original em inglês: https://libcom.org/library/phenomenon-bullshit-jobs–graeber)]. Por conta disso, defendemos que a renda mínima incondicional é uma política de empoderamento das pessoas, e de garantia e aprofundamento de seus direitos básicos, permitindo que cada pessoa atue dentro de seus potenciais e interesses, ao invés de ser obrigada a atuar em funções genéricas apenas para se manter viva.
       
        Nessa mesma linha, defendemos o fomento ao microcrédito e ao empreendedorismo social, especialmente focando em práticas empreendedoras que fortaleçam e fomentem as peculiaridades regionais e o cooperativismo das pessoas trabalhadoras. Ações como essa já são realizadas, principalmente, por bancos comunitários, com o uso de moeda social e metodologias que focam na circulação local de dinheiro nas comunidades, não sendo, portanto, proposições utópicas ou idealistas. Esse exemplos concretos mostram que o caminho não é só possível, mas já está sendo trilhado.
     
 Considerações Finais
        
 
        Entendendo que o país passa por uma grave crise da política institucional, em que diversas organizações trabalhistas organizam mobilizações de paralisação, é lamentável que existam posicionamentos como a tomada pelo Supremo Tribunal Federal em outubro de 2016, que garante o corte de ponto para profissionais grevistas do serviço público (deixando de fora apenas motivações relacionadas a atraso de salário ou descumprimento de acordos)
        
        Essa decisão é uma clara jogada política de coerção para evitar que as pessoas trabalhadoras utilizem sua capacidade de parar a produção como ferramenta política para exigência de manutenção e ampliação de direitos, o que pode ser perfeitamente visto na fala do Min. Luiz Fux: O que ocorre, numa visão realista, é que nós estamos num momento muito difícil e que se avizinha deflagrações de greve e é preciso estabelecer critérios para que nós não permitamos que se possa parar o Brasil”. Tal posicionamento acaba por condicionar as pessoas trabalhadoras ao que define o patronato, e vai na contramão da própria História no que diz respeito às conquistas de direitos trabalhistas por todo o mundo.
        
        As medidas e reformas do governo Temer são, aos nossos olhos, um grande retrocesso para sociedade brasileira propagandeado como modernização. Entendemos que é necessário lutar contra medidas desse tipo, porém repudiamos o direcionamento eleitoral por parte de alguns partidos que transformam atos em palanque para as disputas eleitorais de 2018; da mesma forma, rejeitamos todos os vícios nocivos e antidemocráticos da velha política, como a cooptação, o autoritarismo das burocracias sindicais e partidárias, as tentativas de monopolizar atos de rua e as violências cometidas contra as pessoas que não se submetem a essas formas de construção política. Pensamos que a luta deve ser realizada através da construção de ações e modelos de gestão horizontal, com participação da população, indo além das questões eleitorais de nossa falida democracia representativa.  
        
        Finalmente, tendo em vista não só todas as questões problemáticas envolvendo o conjunto de reformas (incluindo a trabalhista), mas também a falta de credibilidade da instituição Congresso Nacional” devido ao envolvimento massivo de parlamentares com interesses particulares e/ou de corporações e grupos econômicos no desenvolvimento das atividades legislativas, pensamos que essas reformas devem ser submetidas a um referendo nas eleições gerais de 2018 para que a população possa se manifestar diretamente sobre o mérito das questões aqui abordadas, tendo a oportunidade de debater sobre as mesmas e desenvolver seus próprios posicionamentos. Se essas reformas devem ser feitas por um governo, que sejam submetidas a instrumentos como o referendo (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9709.htm), cujo uso deveria ser regra em questões com tamanhas implicações na vida da população. 

1 Comentário

  1. Matheus Moraes

    Vocês do Partido PIRATA são de esquerda ou direita

    Responder

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