OPINIÃO: O Partido Pirata é um Partido de Nicho?

fev 6, 2015 | Opinião PIRATA | 2 Comentários

POR AMAURI WENSKO

Li alhures, em uma publicação do grande Pirata de águas internacionais Henrique Peer, a afirmação de que o Partido Pirata é um partido de nicho. Essa afirmação teria sido retirada de discursos de Piratas de outras nações e que, em tese, refletem as tendências e estratégias políticas do Partido Pirata como um todo. Eu fiquei a pensar sobre essa afirmação e sempre considero que penso melhor enquanto estou escrevendo. Por isso, resolvi escrever este texto, para poder refletir melhor sobre o que significa ser um Partido de nicho.

Em primeiro lugar, veio à minha mente que o Brasil possui mais de trinta siglas partidárias estabelecidas, e que todas elas representam um nicho de eleitorado, uns maiores e outros menores. Considerar que PT ou PSDB ou PMDB são partidos de massa em oposição aos partidos de nicho, é simplesmente desconsiderar que ser um partido de massa é ter o maior dos nichos. Querendo ou não, o Partido Pirata será, de fato, um Partido de nicho, como todos os outros. Sobre essa afirmação, acredito estar correta. O que realmente precisa ser pensado é: que nicho é o nosso? O que é o nicho do Partido Pirata?

Essa pergunta reflete uma preocupação crescente dentro do Partido, que inclusive poderá desencadear com a criação de tendências oficiais que nos dividirão e que provocará disputas internas, inevitavelmente. Todos os grandes partidos políticos contam com divisões internas e grupos heterogêneos que reivindicam que o Partido abrace suas teses. Certamente que nós Piratas sofreremos o mesmo processo de divisão e disputa interna, o que reflete a diversidade e o respeito ao pensamento plural dentro de um sistema democrático. Isso significa que o Partido Pirata será o Partido que possuirá um nicho de eleitores e, ainda possuirá nichos de Piratas que disputarão a primazia por falar a esse nicho de eleitorado. Não seremos diferentes de qualquer outro Partido político no que diz respeito a esse assunto, aparentemente. Mesmo existindo Piratas que zelam pela unidade ideológica do Partido, seja pelas tentativas de convencimento pelo uso da razão ou então pelas tentativas de deslegitimação do discurso do oponente perante outras pessoas Piratas, tenho absoluta certeza de que é impossível conter a diversidade. Somente atitudes totalitárias e antidemocráticas poderiam assegurar uma unidade de pensamento e de ação, o que me parece muito temerário dentro do contexto das multiplicidades contemporâneas. Acreditar que o Partido Pirata é e será unívoco e sólido ideologicamente é desconhecer a natureza da política e suas possibilidades. Essa discussão será ampliada posteriormente e a ela não nos furtaremos, mas, voltando à questão anterior: qual é o nicho do Partido Pirata?

Os documentos oficiais do Partido, com termos deliberados em Assembleia, dão uma dica sobre a nossa identidade Pirata. Evidentemente que nem todas as cláusulas estatutárias foram aprovadas em unanimidade, mas como qualquer outro Partido Político, o que vale é o peso de uma maioria. Especificamente, as claúsulas pétreas do estatuto, que deveriam refletir uma solidez ideológica do Partido, mas nem essas foram votadas em unanimidade, o que demonstra a fragilidade de um discurso sobre a novidade Pirata no fazer político. De qualquer forma, os documentos oficiais e as cláusulas pétreas são a identidade e o caráter do Partido Pirata, independente do que pensam as minorias e vozes dissonantes. Partindo dos artigos estatutários, iniciamos a demarcação de nosso nicho participativo dentro da política nacional

O artigo 3º do Estatuto Pirata diz:

São cláusulas pétreas do Piratas:

I – a defesa dos direitos humanos e das liberdades civis;

II – a defesa do direito à privacidade;

III –  a defesa ao acesso livre à informação;

IV – a defesa do acesso e compartilhamento livres de cultura e conhecimento;

V – a transparência pública;

VI –  a democracia plena;

VII – o Estado Laico;

VIII – a liberdade de expressão;

IX – a colaboratividade;

X – a igualdade de gênero, em todas as suas expressões;

XI – o combate a todas as formas de discriminação;

XII – o combate a todas as formas de autoritarismo;

XIII – a defesa do direito inalienável de resistir à opressão;

XIV – o internacionalismo;

XV – a defesa do ativismo hacker;

XVI – o gozo pleno dos direitos inerentes à cidadania, inclusive políticos, ativos e passivos, independente da nacionalidade;

XVII – a plena autodeterminação individual;

XVIII – a neutralidade da rede.

Por que defendemos essas cláusulas?

Acaso esses itens visam interesses específicos de um nicho de eleitores? Creio que não. Tenho a compreensão de que cada um dos itens das cláusulas pétreas foram pensados levando-se em consideração os interesses da sociedade de uma maneira geral e não de uma maneira específica. Entendo que os itens do Estatuto Pirata e de sua plataforma política visam abarcar os interesses coletivos e não individuais ou de grupos específicos dentro da sociedade. Inclusive, a defesa dos direitos das minorias, que constam no Programa do Partido Pirata, não diminuem e nem encerram os direitos das maiorias.

O nicho do Partido Pirata situa-se onde há tolerância e respeito à diversidade. Onde existem possibilidades de garantir direitos e deveres a todas as pessoas, de maneira igualitária. Não haverá eco às nossas propostas onde exacerba-se o individualismo egoísta, onde reinar a ignorância e a falta de diálogo, onde não couber o respeito às diferenças e a proteção às pessoas desafortunadas. Os valores de nossa sociedade serão contrários aos valores Piratas na medida em que se defenda a hipocrisia e a arrogância em detrimento da honestidade e da cooperação, da colaboração.

É evidente que existem muitas ideologias que pregam a competição, que estimulam a uniformização e que se sustentam por valores de origem autoritária-tradicional. E que tais ideologias ainda possuem grande número de adeptos, seguidores e disseminadores, onde não haverá espaço para as ideias propostas pelos Piratas. Mas isso tem mais a ver com nichos específicos por parte de uma maioria do que propor que Piratas é que defendem a especificidade no trato com as coisas humanas e sociais. Nosso nicho é mais amplo e mais rico. Cabe a nós Piratas compreendermos isso e mantermos abertas as portas para todas as pessoas que ousarem desafiar suas limitações. Enfim, qual é o nicho do Partido Pirata? Nosso nicho é o mundo inteiro. Ahoy!

2 Comentários

  1. Max Meirelles Gonzaga

    Prezada, em primeiro lugar, parabenizo pela qualidade do texto e também da discussão levantada. Nutro uma simpatia abstrata pela causa Pirata, mas só muito recentemente passei a ler mais a respeito e saber que há um Partido Pirata no Brasil. É bom saber, desde logo, que os debates aqui travados são de qualidade elevada.

    Faço, também, uma observação: nem todos os partidos possuem correntes internas e/ou permitem disputas de facções em eleições internas. O PSOL, por exemplo, é um partido de plataforma única: adere quem quer, quem concorda. Não é uma postura necessariamente autoritária; pode, simplesmente, representar uma estratégia de sobrevivência de um partido relativamente pequeno. Ao se lançar como plataforma fechada, busca, inicialmente, apelar a um nicho, que pode aumentar progressivamente, até que haja espaço para se permitir a disputa de eleições internas. A fragmentação excessiva já contribuiu para arrefecer muitos partidos e movimentos sociais, e podemos tirar algumas lições disso.

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  2. He DC Desenvolvedor

    Um horror são certos “partidos” de nicho antilaicos e altamente intolerantes (PSC, PSDC…). Misturam religião e política mas dizem “ideologia”, “não é” religião (e mesmo assim segundo acreditam, pois há “n” Cristianismos, “m” Budismos…)…
    E mais horror ainda é ser permitido a criação dessas aberrações.

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