[Opinião] O “Mercado” é meio burro

jan 30, 2020 | Notícias | 1 Comentário

A lealdade do “Mercado” vai continuar quando os juros pararem de cair?

por Wilson, imagem: O mágico de Oz (1939)

Velhos hábitos nunca morrem. Mesmo que a euforia demonstrada por agentes e analistas financeiros desde o começo do governo Bolsonaro tenha se traduzido em números decepcionantes para o mercado de trabalho e o restante da economia real, a Imprensa especializada continua a cometer o mesmo erro recorrente: generalizar as opiniões de analistas financeiros como se fossem de uma mesma entidade abstrata denominada “Mercado”, repassando a ideia de que os interesses do Mercado Financeiro sejam necessariamente os mesmos do restante dos trabalhadores e da economia real.

Originalmente, menções ao “mercado” costumavam ser alusões a um espaço concreto específico das cidades ao longo da história. Nas cidades-estado gregas elas eram as Ágoras, espaços públicos onde comerciantes abriam suas tendas, depois substituídas pelas feiras romanas, que, por sua vez, deram origem aos mercados medievais. Todas elas passavam a mesma ideia de ser um local aberto, com discussões públicas e foram considerados como grandes exemplos do exercício da democracia direta.

Hoje em dia, no entanto, quando jornalistas usam o termo “Mercado” fazem referência a um conjunto de opiniões e vozes presas em um debate restrito, vindas de fontes anônimas que, apesar de coletadas de maneira esparsa entre operadores do Mercado Financeiro, aparentam apresentar uma coerência interna suficiente para que sejam atribuídas ao tal “Mercado”, essa figura meio onipresente que nunca tem rosto, mas sempre tem voz.

Não é segredo pra ninguém que exista atualmente uma aliança de conveniências entre esse dito “Mercado” e o Governo Bolsonaro, ou, mais especificamente, entre “Mercado” e a dita “agenda liberal” do seu Ministro das Finanças, Paulo Guedes. Isso apesar do termo agenda liberal nunca ter sido usado como mais do que o nome sugere: um receituário geral que se mantem sempre o mesmo, independente das circunstâncias.

Apesar disso, quando consideramos o governo em seu primeiro ano, essa agenda liberal não parece contar com muitos itens. Como o próprio Paulo Guedes reconheceu em uma palestra entre conhecidos no BTG Pactual, toda a pauta econômica, defendida da mesma maneira desde a época das eleições, pode ser reduzida a três pontos:

1) Controlar a expansão dos gastos. Ex: Previdência, segurando concursos, cortando cafézinho, etc

2) Vender ativos por meio das privatizações para pagar e reduzir a dívida pública,

3) Criar algum tipo de CPMF que não é CPMF para bancar a desoneração da folha de pagamento.

Além desses pontos, temos uma série de reformas que não merecem o nome que carregam:

1) A reforma tributária que não é tributária, pois nem reduz a carga tributária, nem altera a sua composição de maneira a cobrar dos mais ricos, mas apenas simplifica a burocracia para as empresas e se propõe a taxar dividendos, como comentado pelo deputado Marcelo Ramos (PL-AM) no programa Segunda Chamada.

2) A reforma do Pacto Federativo que não reforma Pacto Federativo nenhum, nem tampouco cumpre o lema do “Mais Brasil e menos Brasilia” de descentralizar os poderes do Governo Federal para Estados e municípios, mas simplesmente se propõe a criar novos limites para os gastos de governos estaduais, propor a extinção de centenas de prefeituras, regulamentar um órgão centralizador, o Conselho Gestor Fiscal, para controlar os gastos dos três poderes, além de se propor a repassar uma porção da cessão onerosa do pré-sal para estados e prefeituras.

Talvez esse projeto, cuja importância já destacamos anteriormente, ganhe alguma outra proporção com as colaborações e debates no Congresso, pois tudo que foi proposto até agora representam passos muito tímidos e muito mais focados na questão da gestão e limitação de gastos público do que numa re-alteração dos poderes e responsabilidades das esferas federal, estadual e municipal que seria esperado em uma reformulação do Pacto Federativo.

Em um momento em que o governo não possui reservas ou espaço no orçamento para expandir seus gastos de qualquer maneira, a atual política econômica é justificada na mesma palestra pelo ministro Paulo Guedes como “seguir algo próximo do caminho correto” ao invés de “seguir com segurança o caminho errado”, em uma referência à política econômica do governo Dilma, que gerou a atual crise econômica.

Com generosas doses de boa vontade, podemos até concordar que o núcleo econômico do Governo é um dos poucos núcleos dotados de racionalidade no governo Bolsonaro, por ser o único capaz de propor políticas factíveis em nosso contexto, mas considerando o papel de “fiador” da campanha junto ao “Mercado” assumido pelo Ministro Paulo Guedes durante a eleição, será que os atrasos e regressos gerados em diversas outras áreas como Educação, Cultura e Relações Exteriores se justificam diante de uma condução da Economia que se proponha a fazer tão pouco?

E, acima de tudo, o que o governo Bolsonaro está fazendo na Economia, que candidatos da última eleição também não poderiam ter feito, mas sem as demais bobagens e aberrações produzidas pelos demais núcleos do governo?

 

Entendendo a geopolítica de interesses dos Faria Limers

De maneira bem resumida, para combater uma crise econômica todo Governo recorre a uma mesma arma que só carrega duas balas: a primeira envolve aumentar gastos do governo, como parte de uma medida contra-cíclica para estimular uma economia que mostra sinais de retração. Já a segunda, envolve reduzir o nível de gastos e participação do Governo para passar a conduzir a Economia por meio de política monetária.

Isso é algo que não começou agora, mas no governo Temer, período em que começou a tradição de escolha de Ministro para a Economia com perfil mais voltado pra presidente do Banco Central, como era na época o ministro Henrique Meireles. Desde a aprovação do Teto dos Gastos o país tem sido conduzido exclusivamente por uma política monetária tão brusca que lembra quando se usa o freio de mão do carro para dar um cavalo de pau. Como mostra o gráfico com a variação dos juros que ocorreu no Brasil desde então.

A partir daí, o que o governo Bolsonaro tem buscado fazer é apenas aprofundar esse processo de repressão aos gastos, retomando ativos dos bancos públicos (como o BNDES) para abater a dívida de curto prazo, abrindo espaço, uma vez aprovada a reforma da previdência, para uma queda maior dos juros. Por um lado, isso é uma boa notícia para controlar a explosão da dívida, por outro tais medidas são feitas ao custo da não implementação de políticas de demanda, que poderiam ajudar a reduzir o nível de desemprego mais rapidamente.

A pergunta que os analistas tem feito agora é “uma vez vez que os juros caiam, eles vão continuar nesse mesmo patamar?”. Esse é o “novo normal” com câmbio mais alto e juros mais baixos, como defende Paulo Guedes? Para responder adequadamente, talvez devamos analisar menos os aspectos propriamente econômicos e mais os interesses políticos dos diversos grupos que compõem o tal “Mercado”.

Até o momento, a estratégia de foco na redução tanto da inflação quanto da taxa de juros tem se mostrado positiva para todos os grupos financeiros de maneira unânime, o que inclui tanto os “rentistas” que compraram títulos pré com remuneração de 15% e que passam a ganhar uma margem maior contra uma inflação menor, quanto os intermediários e corretores financeiros que passam a negociar mais ações de empresas como forma de compensar pela menor remuneração dos novos títulos (como mostra a Bolsa de Valores que vem batendo recordes), assim como dos donos das empresas que passam a registrar um aumento do seu patrimônio com o aumento dos valores das ações de suas empresas.

Ou seja, é um momento amplamente favorável, mas desde que você tenha dinheiro ou atue profissionalmente na área financeira, é claro. Algo que, aliás, também ajuda a explicar o recente fenômeno dos “Faria Limers”, que vivem seu momento auge. De certa forma, é uma situação oposta àquela de 2015, quando o baque foi sentido pela classe média logo pelo baque da variação cambial e dos diversos reajustes que ocorreram no começo do ano, mas que os trabalhadores só foram sentir o efeito no nível emprego lá pro final do ano.

Essa unanimidade entre os interesses dos diversos agentes do “Mercado”, no entanto, se encerra uma vez que a taxa de juros atinja o seu ponto mínimo. A partir disso os investidores serão obrigados a assumir riscos na Economia Real. Com isso, ficam abertas todas as apostas, pois, embora, ao menos em teoria, as condições necessárias para uma suposta retomada do crescimento (como juros baixo e taxa de câmbio alta) estejam dadas, nada garante que isso irá acontecer.

Isso porque a Economia frequentemente se comporta menos como uma planta que germina e cresce de maneira saudável se estiver em condições ideais e mais parecido com o espírito de um animal de grande porte, como um cavalo dotado de personalidade própria. E você pode até colocar um cavalo na frente de uma fonte, mas nada garante que ele irá beber daquela água.

No final, fica claro que o “Mercado” não é uma entidade muito fiel, mas que muda de opinião fácil. E todo esse processo de aparente blindagem que os agentes financeiros proporcionam hoje ao governo Bolsonaro não apenas deixará de existir, como também os níveis de cobranças por resultados na Economia serão muito maiores e mais amplos do que ocorrem hoje.

E com tudo isso, até mesmo apoiadores que hoje se mostram incondicionais, como recentemente demonstrou ser Paulo Skaf da Fiesp, podem passar a ser vistos cobrando algum tipo de política mais voltado a estimular emprego e demanda.

 

Reformas necessárias: depósitos remunerados e fim das LFT’s

O fato dos juros atingirem seu patamar mais baixo pode parecer um avanço importante em um país que já foi denominado de “paraíso dos rentistas”, mas os juros só caíram ainda mais após a reforma da previdência porque ela acompanhou uma inflação que serve como termômetro de um paciente que foi sendo colocado cada vez mais sob uma espécie de “coma induzido”.

A principal justificativa para isso, no entanto, que eram as reformas estruturais necessárias, acabaram focando apenas na redução de custos de trabalho para os empresários, mas até o momento pouparam aquele que é um dos maiores co-responsáveis pela última crise econômica, que é o nosso sistema bancário, nosso sistema de credito e, consequentemente sistema de gestão da dívida pública, que continua nas mãos dos maiores bancos do país.

Mesmo medidas importantes como a criação da modalidade “Empresa Simples de Crédito” e a limitação dos juros cobrados pelos bancos no cheque especial, como definido recentemente pelo Banco Central, representam pouco mais do que paliativos, mas que por si já geram uma enorme resistência em um sistema que continua sendo estruturalmente injusto, pois ele continua a garantir uma remuneração excessiva aos grandes bancos como único meio de garantir estabilidade ao mercado monetário como um todo.

E esses pequenos paliativos ainda são acompanhados por projetos que querem entregar ainda mais facilidades ao nosso monopolizado sistema bancário, como o que legaliza o Banco Central a adquirir enormes quantidades de ativos como feito pelos EUA no auge da crise de 2008, quando houve a socialização pública do risco dos bancos privados.

Em outras palavras, o paciente continua em coma induzido, mas a operação de ponte de safena que seria necessária não foi realizada. Então, quando o paciente for reanimado não terá como reclamar quando os mesmos problemas voltarem a ocorrer quando começar a correr. Isso não quer dizer que os juros voltarão a explodir novamente acima dos dois dígitos, algo que já foi superado, mas que podemos estar ensaiando os primeiros passos de um novo voo de galinha e não de um crescimento econômico sustentável.

Os problemas que nosso sistema bancário e monetário enfrenta já são bastante conhecidos, ainda que restritos a um debate extremamente especializado e desconhecido do grande público. Entre eles está o atual tripé macroeconômico, que precisa ser reformulado, pois as operações compromissadas negociadas nas operações de open market do Banco Central acabam sendo muito onerosas para a gestão da dívida como um todo.

Para resolver esse assunto, é preciso retomar a discussão do projeto PL 9.248/2017, que se encontra paralisado na câmara dos deputados desde que foi recebido em dezembro de 2017. Esse projeto estabelece o sistema de depósitos remunerados entre Bancos e demais Instituições Financeiras junto ao Banco Central em um sistema semelhante ao Fed Funds que tradicionalmente já opera há muito tempo nos Estados Unidos.

Isso é algo que não apenas ajudaria a reduzir os custos excessivos gerados pelas operações compromissadas quanto daria um grau de autonomia para as novas Fintechs e outros bancos digitais fazerem frentes aos maiores Bancos de Varejo e auxiliando a aumentar a competição do mercado como um todo.

A percepção geral que o Governo expressou algumas vezes sobre o assunto é de que o mercado bancário brasileiro já se encontra sob uma grande revolução digital e que já irá se modificar radicalmente nos próximo anos.

Isso em parte é verdade, pois as propostas de Open Banking realmente irão alterar drasticamente a relação das pessoas com produtos financeiros, que poderão ser oferecidos de maneira online por uma grande diversidade de instituições independentes. Adotar novas tecnologias, no entanto, é um procedimento que o mercado financeiro sempre buscou, mas sem que isso implique em alterações estruturais, da mesma maneira que a adoção de caixas eletrônicos ou do Online Banking não tornaram nosso mercado bancário menos concentrado.

Esperar a revolução digital ocorrer para depois aprovar as reformas estruturas necessárias significa apenas acomodar essas novas tecnologias digitais sob um mercado bancário que já se encontra pré-sorteado.

Outro ponto importante é reduzir a quantidade de LFT’s (Letras Financeiras do Tesouro) que são emitidas pelo Banco Central no mercado financeiro. Para reduzir o debate técnico ao essencial, o grande problema das LFT’s é que elas acabam gerando uma espécie de indexação nas bases monetárias, fazendo com que os aumentos nas taxas de juros acabem sendo mais altos do que o necessário. É isso que explica esse estranho vício na trajetória dos juros, que sobem muito rápido, mas acabam levando muito tempo para cair.

As LFT’s foram inventadas ainda na década de 80, durante a implementação do plano cruzado pela equipe do Andrea Lara Rezende como uma forma de oferecer algum tipo de mecanismo de salvaguarda ao Mercado Financeiro para que mantivesse o dinheiro no país no período que a inflação explodiu.

Com o passar do tempo a inflação foi controlada e outros mecanismos de correção monetária conseguiram ser desmontados, mas as LFT’s continuaram sendo aproveitadas de maneira embutida em outros tipos de operações financeiras, como nos contratos de swap cambial.

Caso houvesse uma redução de LFT’s no Mercado Financeiro, talvez fosse possível alongar tanto a duração quanto prazo médio dos títulos públicos, que no Brasil operam tradicionalmente sempre pensando no curto prazo.

Nossos jornalistas e analistas políticos vivem reclamando que nossos políticos sempre pensam no curto prazo e com a cabeça focada na próxima eleição, mas que sentido faz essa crítica se o “Mercado” também opera pensando igualmente no curtíssimo prazo?

Bibliografia

BACHA, Edmar Lisboa; DE OLIVEIRA FILHO, Luiz Chrysostomo. Mercado de capitais e dívida pública: tributação, indexação, alongamento. ANBID, 2006.

BACHA, Edmar. A crise fiscal e monetária brasileira. Civilizaçao Brasileira, Rio de Janeiro, 2016.

1 Comentário

  1. Maximiliam Steffens

    Bom mas faltou valorização do trabalho, mercado real e o grenn Deal. De uma lida nós textos Do Yanis Varoufakis tem muito mais forças atuando dentro do mercado.

    Responder

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Pular para o conteúdo