Entrevista com Amelia Andersdotter

fev 8, 2015 | Entrevistas | 0 Comentários

A entrevista abaixo foi feita para o jornal Brasil de Fato no ano de 2009.  Abaixo republicação do site de André Deak:

 

Amelia Andersdotter é a mais jovem membro do Parlamento Europeu. Com 22 anos, eleita pelo Partido Pirata sueco, e empossada agora em dezembro, ela esteve no Brasil em novembro para o Seminário Internacional de Cultura Digital Brasileira, realizado em São Paulo.

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Em paralelo à programação oficial, rodas de conversas entre os participantes foram organizadas e gravadas para discutir os assuntos abordados no Seminário. Participei da conversa entre a parlamentar pirata sueca, o diretor de políticas públicas do Google, Ivo Corrêa, e o gerente de Cultura Digital do Ministério da Cultura, José Murilo Jr. (da esq pra direita, na foto).

Abaixo, os principais trechos:

Por que ser contra o copyright?
Andersdotter: É um modelo antigo e estou confiante que existem novos modelos. O Creative Commons (CC), por exemplo, está ficando mais forte. [O CC é um contrato que permite uma flexibilidade na utilização de obras protegidas por direitos autorais, sem infringir as leis de proteção à propriedade intelectual].

Os cinemas também estão indo muito bem, ficando mais fortes. Nós estamos rodeados de informação todos os dias. Uma cópia é só um produto, ninguém quer pagar por isso, mas o cinema é toda uma experiência que as pessoas estão dispostas a pagar. É um serviço. Vemos isso ocorrer com a música ao vivo, uma experiência única que as pessoas querem pagar, colocar tempo e esforço nisso. Acho que é por aí que os criadores culturais terão que ir, terão que ser mais criativos, encontrar novos modelos. E não é papel de um legislador exigir que as pessoas fiquem agarradas a um modelo que está vencido há pelo menos 10 anos.

Ivo Corrêa: E é importante acrescentar algo. É um pequeno grupo de artistas que, hoje, pode viver vendendo cópias de livros ou CDs. A maioria dos artistas não vive de vender CDs. Deveríamos gastar energia e dinheiro em novos modelos. A Apple faz muito dinheiro vendendo música online de maneira criativa. Melhor tentar descobrir o novo do que tentar lutar para manter o antigo.

Andersdotter: Muitas das políticas feitas hoje são feitas para manter o velho mercado. E as políticas públicas deveriam se focadas em permitir a participação e a colaboração das pessoas. Pensando bem, talvez, numa economia digital, sem copyright, nós não tenhamos mais um Paul McCartney dirigindo uma BMW. Talvez esse tipo de artista não possa existir mais. Eu ouço esse argumento sempre: onde estarão os Hitchcocks numa economia digital? Como eles irão surgir? Bom, nós não temos mais um Hitchcock desde os anos 60. Talvez não tenhamos que ter outro. Talvez o ambiente digital seja completamente diferente, e deva ser mesmo. E a política tem mesmo que pensar mais na política colaborativa em vez de defender os velhos mercados.

O Partido Pirata propõe mudanças substanciais nas leis de direito autoral. Mudanças no mercado de telecomunicações. Mais privacidade. Menos vigilância, nenhuma censura. Mais compartilhamento de informações, transparência, mesmo as que sejam controversas. Esses são problemas que vemos na Europa nos últimos anos: governos querendo vigiar cidadãos.

Quem são seus eleitores?
Andersdotter: A maioria homens e jovens. Existem pessoas tanto de esquerda quanto de direita. Por que mais homens que mulheres? Bem, acho que esse debate é bastante dominado pelos homens, você não vê tantas mulheres discutindo copyright. E acho que o efeito multiplicador ocorre dentro dessas estruturas masculinas.

Como o partido lida com as diferenças entre esquerda e direita?
Andersdotter: Temos bastante acordo sobre quais mudanças precisam ser feitas para uma sociedade da informação mais justa. Então há acordo sobre onde queremos chegar. Algumas vezes temos alguma discordância sobre como vamos traçar este caminho. Em geral a maioria das pessoas [do partido] é liberal. Então você tem a esquerda liberal junto com a direita liberal. A grande diferença, e o grande problema atual, é construir o mapa desta estrada para o objetivo final. Você vê a mesma coisa ocorrer com anarquistas, com socialistas, até mesmo com sindicalistas. Você olha a sociedade ideal deles e a visão é bastante similar. Mas eles têm soluções completamente distintas para chegar lá.

E isso ocorre em todos os assuntos? Meio ambiente, trabalho…
Andersdotter: Não, não. Nós não discutimos esses assuntos. Estamos totalmente voltados para inovações nas políticas culturais criativas, em geral. Mas eu poderia perguntar a mesma coisa sobre o Brasil. Me disseram que vocês têm um governo que incentiva a participação social, mas o Senado, parece, não coopera muito a respeito disso… Como vocês lidam com isso?

José Murilo Jr.: Me parece um problema de gerações. Aqui no Brasil os jovens não acreditam mais no governo. Eles preferem movimentos sociais em vez de criar um novo tipo de partido político. As pessoas me parecem mais felizes em fazer isso do que entrar nos velhos esquemas partidários. Por que vocês optaram por este caminho?

Andersdotter: Apesar de todas as redes sociais que existem na sociedade civil, quase toda regulamentação é feita nos parlamentos. Ali é o campo de batalha, ainda. E tudo o que sai do Parlamento Europeu tem impacto no mundo todo. É uma batalha importante também, mudar as coisas de dentro. Movimentos sociais são ótimos. O parlamento é mais lento. Mas, provavelmente, também é bom, em algum nível.

O modelo do Creative Commons é uma solução?
Andersdotter: Laurence Lessig [criador do CC] é um advogado. O que eu sempre observo em advogados é que eles não são contrários aos direitos de propriedade. É conveniente transformar o conhecimento em propriedade, porque facilita a criação de contratos mais amarrados, facilita a solução de conflitos. Se você quer ser radical sobre copyright, então você precisa defender o copyleft, não o CC [o copyleft é a oposição ao copyright. No copyleft, tudo é permitido]. Porque o copyleft é um modelo mais comunitário (dos “commons”). O sistema CC é mais uma maneira de flexibilizar o sistema atual de copyright.

Ivo Corrêa: O Creative Commons tem um mérito: de informar os autores que eles podem decidir como sua obra será usada. O autor fica sabendo que tem uma escolha. O principal mérito, acho, é informar as pessoas que a lei não precisa determinar tudo. No Brasil, a maioria acha que não tem opção. Que é tudo copyright.

Andersdotter: Existe uma falha nessa argumentação, que é a seguinte: consideremos que o Creative Commons mostra às pessoas que elas podem fazer uma escolha. Mas elas não deveriam ter essa escolha. Quando alguém decide criar informação, ou cultura, toda a produção deveria, automaticamente, ser livre. E, talvez, apenas em poucos casos, a escolha pudesse ser ao contrário: escolher proibir o acesso. Mas tudo, em geral, por definição, seria livre.

Mas o sistema de Creative Commons garante, ao menos, que o autor seja reconhecido pela obra. Pode tudo, desde que citada a fonte. No copyleft não existe essa garantia.
Andersdotter: Na comunidade artística, me parece que existe uma integridade mínima de não se apropriar do trabalho do outro. Se você faz um filme, não acho que niguém pegaria seu filme e colocaria o nome dele em cima. Em primeiro lugar, seria vergonhoso. Segundo, você faria inimigos. Acho que isso seria autoregulado pela comunidade. Assim, me parece que o copyleft, basicamente, resolve tudo.

 

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