Como a “propriedade intelectual” mata

abr 13, 2015 | Artigos e Publicações, Legislação, Notícias | 1 Comentário

POR KEVIN CARSON

O jornal The New York Times revelou no dia 7 de abril (Bernice Dahn, “Yes, We Were Warned About Ebola“) que houve advertência adequada de que haveria um surto de ebola na Libéria. Porém, ninguém tirou as conclusões corretas a partir dos dados disponíveis e pôde agir com base neles porque as informações estavam todas escondidas por trás de paywalls de jornais acadêmicos, exigindo pagamento pelo seu conteúdo. Um artigo no Annals of Virology alertava já em 1982 que o vírus era endêmico ao nordeste da Libéria desde que havia sido descoberto em meados da década de 1970. Infelizmente, ninguém na Libéria prestou muita atenção porque o artigo custa US$ 45 para baixar — mais ou menos metade do salário semanal de um médico liberiano.

Aaron Swartz lutou corajosamente para libertar as pesquisas acadêmicas desses cercamentos corporativos — e foi levado ao suicídio por seus esforços por uma promotora ansiosa para acrescentar mais uma condenação de renome a seu currículo. Pode-se dizer que este é mais um exemplo de como a “propriedade intelectual” mata.

Como se as contribuições das barreiras aos jornais acadêmicos ao desastre já não fossem suficientes, a epidemia de ebola — que já matou 10 mil pessoas — foi agravada pelo fato de que uma disputa por patentes reteve a distribuição de uma vacina. Embora a patente seja de propriedade do governo canadense, a empresa que tinha sua licença obstruiu a distribuição da vacina por medo de que fosse perder o controle sobre seu desenvolvimento.

Este é só mais um exemplo de um atrito constante. Há anos a distribuição de medicamentos gratuitos — como o coquetel de combate ao vírus da AIDS — tem sido objeto de disputas entre governos do Terceiro Mundo e as empresas farmacêuticas americanas.

A administração Obama está pressionando para a adoção de regras globais de “propriedade intelectual” que tornariam esses problemas ainda piores. A Parceria Trans-Pacífico — a maior força de atuação das corporações americanas que possuem patentes e copyrights e usam o Representante Comercial dos Estados Unidos como seu testa-de-ferro — pretende fortalecer as leis internacionais de patentes, adequando-as aos padrões americanos e permitindo, assim, que as patentes de algumas drogas nunca expirem, com estratégias de alteração mínima de suas fórmulas chamadas “evergreening”. Elas também tornariam ilegais muitos medicamentos genéricos que podem salvar vidas e estão atualmente disponíveis em países em desenvolvimento de acordo com suas leis locais.

O objetivo chave dos chamados “acordos de livre comércio” é a imposição, a pedido das grandes corporações que dependem de monopólios de “propriedade intelectual” para lucrar, de uma forma de protecionismo que é muito mais coercitiva e prejudicial que as tarifas alfandegárias jamais sonharam em ser. A “propriedade intelectual” serve à mesma função que as tarifas serviam há um século; agora, porém, as corporações são globais em vez de nacionais e as barreiras protecionistas são levantadas entre as corporações, não entre países. Nos dois casos, o protecionismo envolve o monopólio do direito de vender bens em certas áreas de mercado.

Patentes sobre medicamentos já mataram milhões e, se os porcos corporativos da PTP alcançarem seus objetivos, elas matarão muitos milhões mais. O cercamento do conhecimento comum erigido pelos pedágios aos jornais acadêmicos impede o compartilhamento e a geração de novas ideias. Ele destrói o ethos de cooperação da ciência, que está na base da noção de que os avanços são construídos sobre “os ombros de gigantes”.

Devemos continuar a lutar a batalha de Aaron Swartz pela liberdade de informação, hackeando as paywalls de jornais acadêmicos e tornando seus artigos livremente disponíveis em sites de compartilhamento de arquivos. Devemos aproveitar a oportunidade oferecida pelos medicamentos impressos em 3D e pelas tecnologias farmacológicas open source para produzir cópias baratas pirateadas de drogas patenteadas através de tantos pequenos e diferentes canais de distribuição que as empresas farmacêuticas e seu estado não poderão suprimi-las.

A “propriedade intelectual” e os estados que a protegem são inimigos do conhecimento, do progresso e da própria vida humana. É hora de destruí-los.

Traduzido por Erick Vasconcelos.

1 Comentário

  1. Guilherme Cavalieri

    Acho Que existe uma linha bem tênue em relação a isso.
    Porque uma empresa , conglomerado ou até mesmo um cientista em uma garagem iria investir em cientistas, funcionários, equipamentos, segurança da informação, laboratórios, outras pesquisas, metodologias de produção, eficiência, eficácia, etc se ele não conseguir um retorno com isso ?

    Esse é o ganha pão dessas pessoas, com esse dinheiro eles alimentam suas famílias reinvestem em outras descobertas, geram empregos.

    O fato é: se não existisse o direito de propriedade intelectual , essa pesquisa que salvaria os africanos ou a vacina nem existiriam.

    O problema está na importância que a sociedade dá para a descoberta. O mercado paga pra ver o direito de imagem do seu time preferido no perpeivew ou uma luta do UFC do que saber como salvar os africanos do ebola.

    Então se paga milhões pra um jogador de futebol é centavos para um cientista.

    Pq Bill Gates, pagaria um salário para um programador, equipamento de ponta, seguro saúde pra ele e td a família, se ele n puder cobrar pela tecnologia desenvolvida ali?

    Então se for piratear, pirateia os jogos de futebol e UFC, assim o dinheiro teria mais retorno se investido em desenvolvimento e ciência

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