[OPINIÃO PIRATA] A república dos “homens de bem”

maio 5, 2016 | Notícias | 0 Comentários

Muitos viram, mas também desacreditaram. Durante a sessão da Câmara dos Deputados sobre o Impeachment no fatídico domingo de 17 de abril, amplamente transmitida em todo o território nacional, os brasileiros tiveram a rara oportunidade de conhecer um pouco melhor o rosto e o comportamento de cada um de quase todos os 513 deputados.

O veredito final foi o de um verdadeiro show de horrores: Deputados mal preparados que não sabiam discursar, cometendo diversos erros de português, alegando motivos pessoais ou religiosos para a votação, sem sequer mencionar o mérito da acusação ou se comportar com a seriedade que o assunto exigia. Pareciam que tinham feito de tudo para evitar ler o relatório de 128 paginas, preferindo acenar com sorrisos para suas bases.

Isso sem falar das situações de vergonha-alheia, como as bandeiras dos Estados utilizadas como capas de super-herói, as faixas e confetes de carnaval, o machismo implícito no bordão “tchau querida” e as saudações a causas e grupos religiosos quase fizeram com que comportamentos como o de Bolsonaro homenageando torturadores ou do deputado que queria que o filho votasse por ele passassem batido.

E tudo isso pode ser relacionado a um fenômeno muito simples: a ascensão e o predomínio de grupos com pautas conservadoras no Congresso Nacional.

O declínio da moral e bons costumes e a Operação Lava-Jato

A investigação da Lava-Jato trouxe recentemente à tona acusações envolvendo Políticos, Empreiteiras e a Petrobrás, levando grande parte da população a concluir que estamos envolvidos em algum tipo de crise moral recente, como se os casos de corrupção não envolvessem todos os Partidos Políticos e, consequentemente, toda a estrutura de poder do Brasil, como aliás afirmam os próprios procuradores envolvidos na investigação da Lava-Jato.

Dizem que a política é como Jazz, pois o mais importante são as notas que você não toca. Da mesma forma as pessoas estão prestando tanta atenção às notícias que estão sendo veiculadas, que esquecem ou não parecem se ater ao fato de que as posições que não transparecem ou as omissões cometidas pelos atores em jogo acabam sendo mais importantes do que aquelas que são afirmadas de maneira pública, geralmente nos discursos inflamados dos parlamentares mais exaltados e visados como Jean Willys e Bolsonaro.

A maioria dos deputados que discursaram naquele fatídico domingo em favor de causas religiosas ou pregando a moral e os bons costumes, no entanto, eram completos desconhecidos do público. Mesmo os jornalistas responsáveis por cobrir diariamente o dia a dia em Brasília afirmaram não conhecer boa parte deles.

Por um lado, isso é algo até mesmo compreensível dada a baixa importância que os votos individuais deputados impactam sobre a posição dos líderes partidários dos mais de 28 partidos presentes na câmara, esses sim responsáveis por definir o andamento dos votos no Congresso, mas mesmo deputados como Tiririca, que sempre procuraram permanecer neutros e discretos no jogo político foram obrigados a assumir uma posição muito clara diante das câmeras pela primeira vez.

O resultado final foi aquele que todos viram: um Circo. Talvez um reflexo da própria estrutura das eleições no Brasil, que ao longo dos anos se tornou algo muito mais baseado em bordões, jingles e outros recursos publicitários do que em argumentos políticos ou planos de governo. A única dúvida que fica é se esse comportamento circense é resultado de um sistema eleitoral que seleciona pessoas com esse tipo de postura ou se essa postura é resultado dos parlamentares interessados em usar o vídeo de seus votos nas próximas eleições. Provavelmente os dois.

A reação embasbacada da Imprensa Internacional

Diante do espetáculo circense e da consequente comemoração carnavalesca que sucederam a aprovação do Impeachment na Câmara dos Deputados não foi nenhuma surpresa o modo como a Imprensa estrangeira se posicionou, senão de maneira contrária, ao menos crítica ao processo de Impeachment. Pois, diferente do público brasileiro, que talvez ao menos inconscientemente, já esperava por esse tipo de comportamento dos nossos políticos, os correspondentes internacionais ficaram mais que embasbacados com a festa e a postura dos deputados em um momento de tamanha crise e diante da gravidade da decisão a ser tomada.

Pior que isso, sem que houvesse um questionamento ou uma pauta clara por parte da mídia nacional tanto sobre a legitimidade de um processo conduzido por pessoas investigadas em casos de corrupção.

Por outro lado, é bastante óbvio o motivo para isso: a Imprensa também é uma Empresa. Empresas que operam em um setor cujos representantes mais tradicionais estão vendo suas receitas caindo devido ao advento de novas mídias como a Internet, mas que nesse momento estão sendo mais prejudicadas não apenas pelo péssimo desempenho da Economia como um todo, mas principalmente devido á péssima gestão das empresas ligadas ao Governo como a Petrobrás e a Vale, que sempre foram responsáveis por cerca de metade da receita publicitária do mercado.

O resultado é que a Imprensa, assim como o resto do Empresariado tem corrido em busca de qualquer tipo de resquício de esperança ou saída no curto prazo, mesmo que ela seja a tal “Ponte para o futuro”, um conjunto de propostas econômicas presente em um enxuto e vago documento de 19 páginas apresentado pelas lideranças do PMDB. Pessoalmente, eu já vi trabalhos escolares bem melhor formulados.

E o principal problema desse processo é que esse Empresariado desesperado e rendido vem acenando com as duas mãos para aqueles que estão de acordo com essa visão conservadora, tanto ao que se refere à medidas ortodoxas mas poucos eficazes na condução da Economia, quanto na promoção dessa suposta visão de decadência moral que venha a suportar aos olhos do povo essa ideia de um “Governo de Salvação Nacional”.

E os Políticos Profissionais, aqueles que já estão muito mais calejados do que nós para saber para onde o vento sopra em busca de sobrevivência, já perceberam isso há muito tempo. O Michel Temer no áudio “vazado” e nas conversas que teve com o secretário de segurança pública de São Paulo Alexandre de Moraes e com o Presidente da Fiesp Paulo Skaf já da uma prévia das medidas que o vice vem planejando tomar quando assumir o poder. Da mesma forma, Roberto Jefferson em um programa Roda-Viva afirmou que discutiu com Temer aimposição de limites contra manifestações e movimentos sociais.

Eduardo Cunha, o ícone da ascensão Conservadora no Cogresso

Mas apesar do espetáculo de vergonha alheia e da perda de qualquer reputação política no cenário internacional, ao menos uma coisa ficou muito clara naquela sessão: porque Eduardo Cunha consegue manter tamanho predomínio de poder na Câmara dos Deputados.

Em primeiro lugar porque ele realmente se mostra como um deputado com uma capacidade técnica e intelectual muito superior àquela apresentada pelo restante dos deputados… não que isso seja realmente difícil. A Imprensa em geral destaca bastante a questão da corrupção no meio público, mas a incompetência acaba sendo um problema muito mais frequente do que a corrupção, o que, por sua vez, explica o sucesso de bordões como “Rouba mas faz”, jargão inicialmente criado por Ademar de Barros e posteriormente “apropriado” por Paulo Maluf.

Em segundo lugar, por causa da ascensão e consequente predominância da pauta conservadora no Congresso. Embora a esquerda ocasionalmente destaque as ações de bancadas conservadoras como a Evangélica, os grupos ligados ao Governo frequentemente repetem a narrativa adotada pelo Governo de que Eduardo Cunha é a causa de todos os problemas na Cãmara, quando faz muito mais sentido ele ser visto como consequência. O fato dele ter sido eleito como Presidente da Câmara com um placar muito próximo daquele obtido na votação do impeachment da DIlma mostra que o Governo nunca realmente teve controle sobre a Cãmara dos Deputados.

Esse processo de predomínio das pautas conservadoras, por outro lado, não é algo que aconteceu do dia pra noite, mas devido a um processo de crescimento de outras bandeiras partidárias que, mais do que levantarem novas pautas, estavam muito mais dispostas a vender apoio ao Governo em troca de participação da máquina, ou seja, parte do chamado Presidencialismo de Coalização, que ironicamente vem cada mais sendo chamado de Presidencialismo de Cooptação.

O resultado final desse processo foi que não há mais a antiga divisão entre alto e baixo clero no Brasil, mas apenas o baixo clero. A Imprensa normalmente presta muita atenção no PT, PMDB e PSDB, que realmente tem as maiores bancadas da câmara, mas que juntas representam pouco mais de 170 dos 513 deputados da câmara.

E o pior de tudo isso são as pessoas que jogam a responsabilidade da atual situação sobre o eleitor que “precisa aprender a votar”, quando na verdade as regras atuais com proporcionalidade e lista aberta são tão confusas que não da pra ter certeza pra quem o seu voto está se direcionando e, principalmente, quem você deveria estar cobrando, ligando ou enviado emails depois da eleição.

E pra engrossar ainda mais o caldo, o santo graal das reformas, a chamada reforma política nunca vai ocorrer da forma que deveria por esse congresso. Afinal, por que alguém estaria disposto a mudar as regras de um jogo pelo qual ele está na vantagem? É como se o jogador de Xadrez Kasparov topasse mudasse as regras e trocasse xadrez por gamão no meio de uma partida. Da merma forma, por que um pastor evangélico estaria disposto a trocar a regra pra voto distrital e perder os votos de uma Igreja cuja presença está espalhada em todo o Estado?

foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

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