Panorama Político da Ocupação das Escolas Paulistas

dez 4, 2015 | Notícias | 0 Comentários

um panorama geral das ocupações das escolas públicas, como uma reação à Política de Reorganização no Estado de São Paulo
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arte feita por alunos do E.E. Azevedo Junior

Se você não foi abduzido nas últimas semanas certamente deve ter reparado nas notícias e vídeos mostrando conflitos entre a Polícia Militar, alunos e professores do Estado de Sâo Paulo. Estes são por sua vez um desdobramento direto das ocupações de escolas feitas por alunos, que discordam do encerramento dos ciclos em algumas escolas como determinado pela secretária da educação e com o devido abono do Governo Tucano de Geraldo Alckmin.

E como começou essa história? Bom, desde o começo do ano vem surgindo notícias mostrando o interesse do Governo do Estado em efetuar um
a ampla reforma na Educação Pública Estadual. A princípio o plano parecia ter pontos interessantes, especulando-se entre eles a criação de disciplinas optativas para os estudantes do Ensino Médio.

Só que repentinamente foram anunciados novos planos
mais especificamente, um Plano de Reestruturação: “Reorganizar a rede estadual de escolas públicas e separar os alunos em três níveis do Ensino Fundamental e Médio é em sua essência o objetivo do Plano de Reestruturação concebido pela Secretária da Educação do Governo Paulista, as escolas que atendem aos critérios da organização por faixas etárias apresentam melhores resultados em todas as avaliações” – anunciaram as palavras de introdução da entrevista com o Secretário Estadual de Educação, Herman Voorwald, no Roda Viva.   

A justificativa
para re-adequar a distribuição desses alunos seria uma menor demanda por vagas, resultado da queda na taxa de natalidade da população. Além disso, a re-organização visaria que a maioria das escolas tivessem apenas um ciclo escolar, o fundamental ou o médio, supostamente aumentando o desempenho dessas unidades

Com base nessas diretrizes, inicialmente foi proposto o fechamento de um dos ciclos em cerca de 200 escolas, mas depois de um processo de discussão interna foram levantados alguns argumentos limitando esse plano mais amplo, como a questão das distâncias entre as escolas para onde os alunos seriam transferidos. Acabou ficando definido que qualquer transferência maior do que 1,5 Km da escola original seria revista, fazendo com que o número de 200 escolas inicialmente previstas fossem reduzidas para cerca de 95 escolas.

Ok, mas se o plano de reforma chegou até mesmo a ser revisto e rediscutido, qual é o problema? O problema é que todo o processo de elaboração e de rediscussão nunca contou com uma instância de consulta aberta e/ou com a população interessada, pois se restringiu basicamente à Secretaria de Educação e os diretores das escolas, sem qualquer conversa com os professores e muito menos com os alunos, que, além de parte diretamente interessada, são alvos diretos dessa mudança. A reação inicial da Secretaria e do Governo diante das reações dos estudantes foi no mínimo condescendente, “Acho que vocês não entenderam nosso plano, mas é o melhor pra vocês crianças, acreditem”.

O resultado final é que esse embate se transformou quase que literalmente em uma briga de braço entre os alunos das escolas ocupadas e a Administração Estadual Paulista. De um lado temos os alunos que não concordam com as medidas anunciadas que resolveram ocupar as escolas e consequentemente acabam ficando expostos a casos de violência policial e de outro temos todo o Maquinário Governamental que não parece disposto a voltar atrás em suas medidas, enquanto secretamente torce para que ninguém tenha coragem de dizer que “O Rei está Nu”, apontando os problemas do Plano de Reestruturação.

E que problemas são esses? Bom, o principal deles é que o principal argumento da Política proposta pelo governo paulista, o de que escolas com ciclos únicos tem melhor desempenho, não é baseada em uma rigorosa análise estatística, mas em algo mais próximo de uma conta de padaria, como ja apontaram alguns especialistas da área

O que ele fizeram foi baseado em um índice de desempenho (que eles mesmos criaram) que mostrava que as escolas que tinham apenas um ciclo apresentavam um desempenho superior, mas essa análise nunca foi feita controlando para outras possíveis variáveis que poderia explicar melhor essa diferença. 

Por exemplo, será que o fato das escolas com apenas um termo apresentarem melhor desempenho não pode ser explicado por essas escolas serem novas e apresentarem consequentemente uma melhor infra-estrutura? Por essa conclusão, o ideal não seria investir mais em infra-estrutura nas escolas que JÁ existem?

Além disso, mesmo que o índice funcione bem como uma regra geral na média, nada garante que essa lógica seja válida para todas as escolas. Em guarulhos por exemplo, os alunos de uma das melhores escolas de guarulhos protestavam contra o fechamento do ciclo do Ensino Médio, enquanto que outras escolas com pior desempenho, mas com apenas um dos ciclos, continuaria funcionando.

Além disso, o Secretário argumenta que essa reorganização pretende eliminar gastos em unidades com “capacidade ociosa”. Mas será possível falar em capacidade ociosa se as notícias que chegam na Imprensa sobre a Educação Pública falam apenas em salas lotadas, muitas com mais de 40 alunos por sala de aula? Com isso o Plano proposto deixa de se apresentar como uma melhoria na sistema de educação para transparecer sua real intenção de cortar gastos em um período em que a crise econômica vem afetando o equilíbrio das contas públicas..

A ocupação enquanto Espaço Político

Não apenas as ações do Governo, mas também a ocupação das escolas merecem destaque como um fenômeno a a parte, principalmente pelo modo exponencial com que elas cresceram em número e pelo modo como elas vem se organizando. Tudo começou em uma ou duas escolas, que em algumas semanas passaram para dezenas e que atualmente contam com mais de 200 escolas ocupadas, de acordo com as informações mais recentes. 

O mais impressionante é o fato de que cada uma dessas ocupações opera de maneira independente e autônoma, ao mesmo tempo que fazem parte de uma rede que se comporta de uma maneira totalmente difusa e descentralizada. A comunicação entre as escolas acaba sendo reduzida, até mesmo porque a maior parte delas não tem uma internet wifi aberta, pois a rede normalmente fica restrita à Diretoria ou é desligada pela escola.

Eu recentemente estive em uma das escolas ocupadas, a escola João Kopke localizada na região da Luz, no centro de São Paulo. A organização era excelente, com direito a uma portaria, onde tive que registrar meu nome, e a limpeza dos banheiros e da cozinha que estavam sendo organizadas pelos alunos. Até mesmo suco e lanche foram servidos pelos alunos durante a reunião. Um outro pirata relatou a mesma organização impecável em outra escola, que, de acordo com ele, parecia melhor do que da Faculdade que ele frequentava.

Apesar do ambiente estar limpo e seguro, a sensação que eu tive sobre a infra-estrutura da escola foi um pouco claustrofóbica, com portões e janelas todos gradiados, o que é algo não muito incomum em escolas públicas. Quero dizer, parece que não basta a metáfora implicita da escola ser uma prisão, você precisa estar visualmente cercado de barras de ferro.

O objetivo anunciado pelo governo em relação à essa escola era o de encerrar as aulas de Ensino Médio e do EJA (antigo supletivo). A escola em si não parece apresentar nenhum problema para justificar essa medida, a não ser por ficar muito próxima da Praça Julio Prestes, que é um ponto com de consumo de crack. Algo que, de acordo com os próprios alunos, gerava até mesmo um certo preconceito partindo de outras escolas, mas que já estava sendo quebrado depois que a ocupação começou. 

Nessa escola os alunos também compartilharam um fenômeno que vi sendo relatado em outras escolas, o de que as oficinas e atividades desenvolvidas durante a ocupação foram mais instrutivas e interessantes do que aquelas do período letivo normal. 

Se por um lado temos ressalvas sobre o modo como o diálogo do Goveno com as escolas ocupadas vem sendo conduzido, por outro devemos ironicamente ficar felizes com as desastradas medidas tomadas pelo Governo Alckmin, que levaram à um maior aproveitamento dos espaços escolares proporcionadas pelas ocupações. 
Isso porque embora a Televisão local apenas se interesse em abordar o assunto quando ocorre bloqueio de ruas, diversas ocupações vem se mostrando como um ótimo espaço para mobilização, debate político, além da realização de cursos e oficinas.

No partido pirata falamos muito sobre conceitos como Empoderamento Individual e novas formas de organização política em rede, mas quando o fazemos é preciso estar ciente de que não inventamos esses conceitos, mas que apenas estamos dando eco a idéias e práticas que já vem sendo adotadas de maneira espontânea e difusa pelas novas gerações como ocorreu nessas escolas ocupadas. E que cada uma dessas escolas estão pedindo e demandam é que elas sejam respeitadas enquanto micro-cosmos autônomos com suas próprias particularidades.

É exatamente para essa nova geração que os Piratas estão voltados, uma geração que não está disposta a escutar explicações pela metade e que já nasceu dentro desse novo paradigma digital, enquanto que toda a estrutura educacional continua sendo analógica. Esse conflito inter-geracional entre o novo e o velho que ocorre hoje certamente é um dos principais motores responsáveis por disseminar mudança em nossa sociedade.

Mas mais do que apenas culpar o Estado pelo modo equivocado com que ele conduziu esse processo, talvez a maior lição me foi falada por um membro do Hub Livre, que é um coletivo cultural que estava participando da ocupação da escola João Kopke. De acordo com ele, na constituição consta que o dever de suprir Saúde a todos é do Estado, mas da Educação cabe tanto ao Estado quanto à sociedade. Ou seja, é esperado que todos possamos participar de alguma forma tanto desse debate quanto das futuras reformas a serem implantadas nas Escolas Públicas.
[Atualização 04/12/15-13h00: aparentemente o Governador anunciou a suspensão do Plano de Reestruturação para que ele possa ser rediscutido com calma no ano que vem, permitindo uma discussão sobre cada escola caso a caso, o que era exatamente o que os alunos estavam pedindo. Vitória dos alunos! =)

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