Foi votado neste mês de julho uma regulação que determina como os dados pessoais devem ser tratados em território brasileiro a partir da Lei Geral de Proteção de Dados.

Por Alguém Anon e Ghist 

Em 2018 a Lei foi sancionada pelo então presidente Michel Temer, e a versão aprovada em 2019 incluiu a criação de uma entidade especifica, cuja a responsabilidade deve ser garantir o cumprimento dessa lei, tanto no setor público quanto no setor privado brasileiro. Assim, só agora a decisão de criar uma Autoridade Nacional de Dados Pessoais (ANPD) foi levada adiante e reformulada pelo Congresso que votou para que esta finalidade fosse atribuída ao novo órgão, conferindo-lhe independência em suas ações.

A lei Geral de Proteção de Dados aglutina uma série de medidas que anteriormente estavam divididas nas regulamentações de diferentes áreas como a do Marco Civil da Internet, Código de Defesa do Consumidor e da Lei do Cadastro Positivo.

O atual modelo concentra essas regras em uma única lei, além de conferir ao cidadão o controle sobre seus próprios dados. Ainda indica quais princípios de privacidade e proteção de dados que deverão orientar todas as atividades que envolverem coleta ou mesmo o uso de dados pessoais no Brasil, como o da finalidade (em que o uso dos dados ficam restritos ao propósito que foi informado previamente ao usuário pelo coletor) e o da transparência (tudo o que for feito com os dados deve ser informado ao titular, além de ficar acessível para ele). Ou seja, toda empresa, pública ou privada, que tiver banco de dados com quaisquer informações sobre você, como nome, números de documentos e até endereço de e-mail, deverá adequar-se às determinações da LGPD.

A nova Lei também obriga as entidades a excluírem os dados após o cumprimento da finalidade para a qual foram coletados, além de terem de indicar publicamente um porta-voz (encarregado) quanto o assunto for a respeito de dados pessoais, pois será a ele que o cidadão deverá recorrer para fazer solicitar esclarecimentos ou fazer uma reclamação.

A ANPD contará com um grupo constituído de pessoas indicadas pelo presidente da República, além de a nova lei prever a criação de um Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais, composto por representantes de vários setores, de órgãos públicos a privados, abarcando a sociedade civil e até mesmo acadêmicos, que acompanharão os trabalhos da ANPD, além de fazer estudos, apontamentos técnicos e aprimorar a política de dados no país.

A LGPD entrará em vigor no mês de agosto de 2020, pois foi dado um prazo para os setores públicos e privados se ajustarem às novas regulamentações.
Isso tem impacto significativo na nossa sociedade que hoje é praticamente dependente de bancos de dados, seja os dados retidos por entidades do governo, sociais ou privadas, como ocorre com as mídias sociais.

O texto, apesar de aprovado por Bolsonaro, teve um total de nove vetos. Segundo o rito do Congresso, mais uma etapa ocorrerá, devendo os congressistas avaliar os vetos feitos pela presidência e derrubá-los (deverá contar com, no mínimo, 257 votos de deputados e, em seguida, 41 votos de senadores). Já existem diversas considerações negativas de especialistas a respeito das consequências dos vetos feitos por Bolsonaro, como a inadequação da Lei a padrões internacionais, o que poderia dificultar e até impossibilitar trocas de informações e transações com outros países.

Estes vetos limitarão as ações da ANPD em suas medidas mais caras à sociedade. Com as delimitações impostas pela presidência do Brasil, a Lei será duramente enfraquecida quando futuramente disposta na prática, além de que não há ainda uma regulação com moldes internacionais, o que representaria considerável avanço. Sem essa pré-determinação na Lei, muitos dos casos abarcados pela ANPD serão direcionados para o judiciário, abarrotando-o ainda mais, num aumento da burocracia que vai na contramão da campanha presidencial de desburocratização do Brasil.

Façamos um rápido resumo dos vetos feitos pela presidência:

  • Resolução automatizada:
    Se antes o texto determinava que todo cidadão teria o direito de solicitar uma revisão humana de decisões tomadas por computador caso a mesma discorde do resultado, com o veto o presidente preservou o direito à revisão, mas extinguiu a possibilidade de ela ser executada por um humano. Ele alega que essa medida impossibilitaria modelos de negócios de pequenas empresas que seriam responsáveis por avaliar os dados de seus cliente;
  • Lei de Acesso à Informação:
    Jair Bolsonaro vetou o item que proibia a transferência pelo poder público a órgãos públicos e privados dos dados de pessoas que solicitaram informações através da Lei de Acesso à Informação.
  • Perfil do encarregado:
    O texto anterior, e que foi vetado, determinava que o responsável e porta-voz quando de assuntos que tratam de dados pessoais deveria ter conhecimento jurídico sobre regulação do acesso e atenção à privacidade dos indivíduos e de dados pessoais. Esse requisito foi vetado pois, segundo o presidente, resultaria em um rigor excessivo que se refletiria na interferência desnecessária por parte do Estado.
  • Sanções:
    A Autoridade Nacional de Dados Pessoais foi enfraquecida com a exclusão da lei que possibilitaria punir um órgão que administre dados com paralisação ou interrupção de atividades.
  • Taxas:
    Como fonte de receita a ANPD poderia cobrar taxas pelos serviços prestados tanto a órgãos privados como públicos. Isso foi vetado pela presidência, mantendo, assim, o orçamento da União como principal fonte de custeio da “Autoridade”.

Cada um desses tópicos pode ser visto como um passo contraditório em relação ao zelo com as informações pessoais, seja pelos cortes orçamentários promovidos pelo governo nos últimos meses, que deixaria desguarnecida essa nova instância governamental, seja pelo modelo adotado, diverso de outros, como o da União Europeia, onde se dá ênfase no fator humano para avaliar e revisar decisões automatizadas. Mais ainda, há retrocessos como a não exigência de conhecimento jurídico e regulatório de dados por parte do encarregado (o que poderia resultar em prejuízo aos que dependessem de seu desempenho no exercício da função), e até a reprodução de preconceitos e segregações em uma sociedade cada vez mais plural (o que poderia gerar dificuldades em ser selecionado/a para o mercado de trabalho, por exemplo, pois os bancos de dados contém informações como biometria, informações sobre cor de pele ou raça, dados genéticos, sexualidade, etc).

Apesar de a capacidade da ANPD de punir com advertências e multas quem infringir a Lei Geral de Proteção de Dados, o valor limite da multa estabelecido em 50 milhões ficou muito aquém do esperado, já que hoje é compreendido como um novo (e milionário) mercado o conjunto de dados que os usuário deixam registrados no seu cotidiano informático.

A lei, se aprovada com as devidas ressalvas e sem os vetos feitos pela presidência, pode aumentar o poder do usuário sobre como seus dados deverão ser geridos, pois a lei especifica o que são dados pessoais e até mesmo o que são dados sensíveis (este último engloba informações como raça, cor, etnia, sexualidade, biometria, dados genéticos e outros), sendo necessário o consentimento explicito do usuário ou titular para que uma empresa ou órgão público colete, armazene ou transfira os dados do cidadão, além de conferir poder ao cidadão de revogar esse consentimento e exigir que os dados e até mesmo sua portabilidade sejam excluídos. Além disso, ela confere também uma segurança jurídica aos setores públicos e privados, estimulando a criação de estruturas internas que administrem continuamente o manejo destes dados, ampliando ao setor público algo que já era aplicado aos setores privados que são as boas práticas de segurança e proteção de dados pessoais.

https://medium.com/@cdr_br/coaliz%C3%A3o-direitos-na-rede-repudia-os-9-vetos-de-bolsonaro-%C3%A0-lei-que-cria-a-autoridade-nacional-de-ee536f6baeb

https://artigo19.org/blog/2019/07/10/entre-vetos-preocupantes-presidencia-tenta-derrubar-protecao-de-dados-pessoais-de-requerentes-de-informacao-publica/

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