Por que professores estão escrevendo porcarias que ninguém lê

jun 6, 2017 | Artigos e Publicações, Notícias, Opinião PIRATA | 8 Comentários

Daniel Lattier (versão em português: Givaldo Corcinio)

Professores universitários normalmente gastam entre 3 e 6 meses (as vezes mais tempo ainda) pesquisando e escrevendo artigos de 25 páginas para submetê-los para revistas acadêmicas. E a maior expectativa é de receber um e-mail – ou uma carta – meses depois informando que seu artigo foi aceito para publicação e que ele poderá ser lido por uma média de… dez pessoas.

Sim, você leu corretamente! Os números apontados por estudos recentes são assustadores:

– 82% dos artigos publicados em humanidades não foram citados nem uma única vez;
– Dos que foram citados, apenas 20% foram realmente lidos;
– Metade dos artigos acadêmicos nunca foi lido por alguém que não fosse seu autor, os pareceristas e os editores das revistas.

Então, qual o motivo dessa sandice? Por que o mundo continua a publicar quase 2 milhões de artigos acadêmicos por ano?

Bom, a maior motivação é dinheiro e garantia de emprego. O objetivo de todos os professores é se efetivar e, ainda hoje, a efetivação é baseada em parte pelo quanta publicação em revistas acadêmicas se tem. Os conselhos de avaliação tratam essas publicações como evidência de que o professor tem condições de conduzir pesquisas mais profundas e maduras.

Infelizmente, todavia, muitos artigos acadêmicos atualmente são meros exercícios do que um professor que conheci chamou de “plágio criativo”: reorganização de pesquisas antigas com uma tese nova vinculada a elas.

Outro motivo é o crescimento da especialização da era moderna, o que fez com que as universidades se dividissem em diversas disciplinas e departamentos, cada qual com sua própria lógica.

Um efeito infeliz dessa especialização é que o assunto da maioria dos artigos acaba se tornando inacessível para o público, e até mesmo para a maioria esmagadora dos professores. (Acredite em mim: a maior parte dos acadêmicos sequer quer ler os textos dos seus colegas) Alguns dos títulos no mais recente número da “journal of the American Academy of Religion”, que se proclama como a “melhor revista acadêmica do campo de estudos religiosos”, serve como exemplo:

“Rosário da Dona Benta: Administrando a ambiguidade num grupo de oração feminino brasileiro”
“Morte e demonização do Bodhisattva: Reformulação de Guanyin e Religião Chinesa”
“Noivas e Manchas: Deficiências femininas incomuns na lei matrimonial rabínica”

Assim, o crescimento da especialização tem causado o crescimento da alienação, não só entre os professores e o público em geral, mas também entre os professores mesmo.

Tudo isso é muito desanimador. Idealmente, as grandes mentes da acadêmia podem produzir para sacudir uma sociedade para resolver seus problemas. Entretanto, a maioria dos acadêmicos ocidentais estão usando seu capital intelectual para responder questões que ninguém questionou em páginas que ninguém lê.

E isso é um lixo

8 Comentários

  1. AMARILDO INÁCIO DOS SANTOS

    A crítica à academia é mais que necessária, mas faltou dizer que esse produtivismo não é feito por vontade dos profissionais, mas por exigência da Capes. A abordagem claramente ataca, também, professores de esquerda, numa nítida tentativa de impor uma visão universal de mundo e pensamento, o que por si só é risível. A crítica à academia é muito necessária, mas precisa ser feita com seriedade, não com viés ideológico.

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  2. Virgilio

    Marina e Henrique: ❤️❤️❤️❤️❤️
    Excelentes comentários. A provocação do texto, infelizmente, torna-se rasa por não passar disso: uma provocação.

    Criticar a PM, a justiça, os políticos, a academia, as ciências humanas, as exatas? Não é difícil fazer isso. Até as “grandes mentes” na academia (assim como médias e rasas) já perceberam os problemas da academia. Várias delas buscam contornar esses problemas diariamente.

    Já pensou se esse texto fosse a descoberta desses problemas? Teria ajudado bastante essas pobres mentes acadêmicas. Infelizmente, não é tão diferente de um cara explicar para uma mulher o que é ‘mansplanning’.

    Agora, analisar porque as coisas são/estão assim e propor opções para contornar esses problemas, é aí que as coisas mudam. Daí o bicho pega e fica mais difícil passar da etapa da crítica. O comentário da Marina, em específico, é extremamente feliz e pertinente. O clique valeu mais pelo comentário dela que pela provocação original.

    Um ponto de partida, uma introdução, pra ver que o problema é bem maior e mais difícil de se combater pode ser Homo Academicus, de Bourdieu: https://www.goodreads.com/book/show/643485.Homo_Academicus

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  3. Kauê Maia

    Ótimo tema.
    Péssima abordagem.

    Todos concordam que muitos dos artigos são “lixo”. Mas temos que lembrar que as vezes do lixo uma pessoa fica rica.

    A crítica parece tentar desmerecer artigos humanísticos, mas pelo visto ele não pesquisou muito, pois todos sofrem deste mal.

    Poderia ao invés de só criticar, fazer algo para mudar isso.
    Por exemplo links para ler artigos acadêmicos.

    Acredito que o Partido Pirata não tenha vindo apenas para ser mais um com críticas rasas e matérias sensacionalistas. Assim eu espero.

    Para não ser mais um lixo entre tantos outros.

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  4. Henrique

    Pertinente a provocação, mas a crítica à Academia frequentemente flerta com o mero e vulgar anti-intelectualismo. Infelizmente este texto – que vai ser lido por mais de dez pessoas, certamente – não conseguiu fugir à regra.

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  5. Marina

    O autor podia ter falado sobre os níveis de produtividade exigidos dos acadêmicos;
    dos tempos de pesquisa das ciências humanas e ciências duras, que são diferentes,
    e ainda assim se exige “resultados” numa rapidez cada vez maior, na lógica das ciências duras;
    poderia ter falado sobre divulgação científica, os monopólios das grandes editoras, as plataformas
    pagas, os indexadores, enfim, os vieses no acesso à informação científica e como isso influencia
    no “simples” fato dos artigos não serem lidos ou nem ao menos serem publicados; poderia ter
    falado das desigualdades entre norte e sul e como os acadêmicos do sul têm que fazer o duplo trabalho
    de acompanhar o que se passa no “centro” e ainda tentar criar alguma coisa genuína; poderia ter falado
    de como os estadunidenses são incapazes de ler qualquer coisa em outra língua, de forma que publicar
    em inglês se torna obrigatório; ele poderia ter falado da instabilidade da carreira, da incerteza, do fato
    do mercado de trabalho ser tão restrito, e que publicar é O trabalho de um pesquisador. Poderia ter se
    questionado sobre o que ele próprio está entendendo por “utilidade” das ciências humanas, e que, como
    em qualquer campo, não existem apenas “grandes mentes” na academia, existem também pessoas medianas,
    felizmente, que estão fazendo o trabalho “braçal” pros “grandes caras”, muitas vezes.
    Ele falou de especialização, mas esqueceu que existe um fenômeno
    de inter/transdisciplinaridade que é novo e super interessante, e que existe um processo de reorganização
    da pesquisa estruturada a partir de temas (como aquecimento global, por ex.) e não disciplinas.
    Mas não, o cara achou por bem escrever um comentário absolutamente raso, e fazer exatamente o
    que critica, como apontou o Anderson, além de falar que o que se produz é lixo. Como saber, se ele mesmo
    diz que ninguém lê? Nem ele, pelo visto.

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  6. Ujo

    Olá, apesar da acidez do texto, percebo uma crítica pertinente o caminho que a pós-graduação (em sentido lato e amplo) e o ambiente acadêmico percorre. Na condição de futuro pesquisador, fico preocupado com essa questão de trabalhar tanto para quase ninguém ver os trabalhos e soluções propostas. Por isso a importância de pesquisar as mazelas sociais, as quais terei mais atenção em virtude do insight que tive ao ler o seu texto. Valeu!

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  7. Anderson

    “as grandes mentes da acadêmia”
    Um assunto tão caro merece uma redação mais apurada. Esse texto apenas reproduz outras perspectivas. Poderia avançar apontando novos caminhos adequados à perspectiva pirata. Aí eu pergunto: o texto aqui publicado não faz o mesmo que ele critica? Ainhda que seja divulgação científica e não de ciência de fato?

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    • Kannon

      Se o texto ao menos gerou interesse de discutir tal tema ele já fez seu papel. Acho esse ‘buzz’ necessário.
      P-)

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