Essa democracia é um mito que devemos destruir

jun 2, 2016 | Artigos e Publicações, Notícias, Opinião PIRATA | 0 Comentários

Poetisa, membro do Parlamento Islandês pelo Partido Pirata, do qual é a figura mais conhecida, Birgitta Jónsdóttir é diretora executiva do International Modern Media Institute (Iniciativa Islandesa para a Modernização dos Meios de Comunicação). Encontramos com ela algumas semanas após os primeiros vazamentos dos Panama Papers.

por Loïc Marszalek

Olá, Birgitta. Qual é sua posição no Partido Pirata? Podemos dizer que você é uma porta-voz oficial ou uma líder não-oficial?

Birgitta Jónsdóttir: Temos todo um movimento central, onde as pessoas todas assumem responsabilidades. Então, tudo que sou é não-oficial, sabe? Eu apenas me torno o papel que as pessoas me atribuem. Na verdade, eu sequer “me torno” isso.

De acordo com uma pesquisa da Gallup, 43% da nação islandesa gostaria de ver o Partido Pirata no topo do governo?

BJ: Na verdade, não. Aquela foi uma enquete sem sentido. Acho que, pensando de maneira realista, nós vamos conseguir em torno de 20 a 25% dos votos nas eleições. [Porque] as pessoas querem que nos alinhemos com direita ou esquerda mas somos um partido tecnocrata radical com uma dose muito grande de anarquismo. Sabe, anarquismo no sentido de que queremos que as pessoas comecem a assumir responsabilidade por meio de democracia direta e passem a criar e moldar suas sociedades coletivamente. Então, no fim das contas, eu não acredito que 43% dos islandeses queiram isso.

Como as pessoas podem retomar seus poderes democráticos? Você acha que precisamos de uma revolução global na Europa?

BJ: Acontece que em revoluções se você não tem um processo de evolução a respeito disso, nada vai mudar. Você vai acabar com ideias diferentes em uma democracia falsa. A democracia hoje não é de verdade. É só uma ilusão. É uma ilusão quando as pessoas acreditam que estão votando a cada quatro anos em pessoas que vão desapontá-las. Essa democracia é um mito que precisamos destruir. É o seguinte, se queremos empoderar as pessoas nós precisamos fazer certas coisas. Uma coisa é conseguir pessoas que estejam dispostas a fazer ações rápidas e usar esse momento. Por exemplo, há esse momento na França agora [NT: revolta popular com mudanças nas leis trabalhistas] – como isso será usado? O que eles querem mudar? Quais são as prioridades de mudança? Então, para mim, temos de ser como Robin Hoods do poder. Temos de tirar poder dos poderosos e entrega-lo para as pessoas. De preferência no que diz respeito a direitos constitucionais. Então é necessário haver pessoas dispostas a sacrificar tudo e entrar no ventre da fera que é o parlamento e criar um movimento popular que esteja disposto a dissolver. Todas as nações que estão lutando por mudanças acham que os franceses são ótimos em protestar. Mas e depois? Eles mudam às vezes uma única lei. E então? Então eles precisam ir lá e protestar de novo. Quer dizer, eu entendo esse vício em protestar. É ótimo ir lá e estar com as pessoas e sentir esse espírito. Mas eles precisam de uma ideologia de termos mais longos para mudanças fundamentais. Então uma coisa que eu sugeriria, que é algo que senti que teve um profundo impacto de um processo longo na Islândia foi pensar em quem somos no contexto da lei maior, no contexto constitucional, e colocar na nova constituição como direitos constitucionais que as pessoas tenham influência entre as eleições.

Como você poderia descrever a cultura islandesa?

BJ: A Islândia é um país bem estranho. Somos bem poucas pessoas – 330.000. E isso significa que podemos atingir uma massa crítica bem rapidamente. Você pode mudar as opiniões das pessoas rapidamente, tanto de forma negativa quanto positiva. Ao mesmo tempo, somos uma nação de prazos impossíveis. Porque, inicialmente, não muito tempo atrás, éramos um país com uma cultura bem pouco desenvolvida. Conseguimos nossa democracia em 1944. Se você disser “OK, vou fazer isso em um mês”, algo que outras nações fariam em um ano, você pode de fato conseguir porque todo mundo vai lá e faz. Isso tem vantagens e desvantagens.

A nação islandesa se sente como parte da Europa e da cultura europeia?

BJ: Sim. Quero dizer, somos pessoas europeias aqui, sabe? Mesmo com a base estadunidense aqui por um bom tempo, claro que somos europeias em todos os aspectos. Porque nossas leis – ou 75% ou 80% de nossas leis – são leis europeias vindas do Espaço Econômico Europeu. E somos parte do Acordo de Schengen e da terrível Convenção de Dublin. Tudo que nós somos se relaciona e tem raízes profundas na Europa. Nós recebemos tanto dela, e espero que possamos dar algo em retorno.

Qual sua posição no que diz respeito à União Europeia? Se o Partido Pirata conseguir chegar ao governo, vocês tentariam novamente a entrada na UE?

BJ: O Partido Pirata, pelo fato de sermos focados seriamente em democracia direta, não tem uma posição sobre isso. A primeira coisa que faríamos seria um referendo nacional perguntando às pessoas se elas querem isso, levar esse processo adiante. E eu acredito firmemente que existe uma maioria que o faria. Minha posição pessoal sempre foi a de que não posso dizer “sim” ou “não” antes de ver qual vai ser o acordo final, já que somos poucas pessoas e temos todos esses recursos naturais; precisaríamos ver se conseguiríamos algumas isenções em alguns âmbitos. Porque somos diferentes em vários sentidos, mas ao mesmo tempo bem semelhantes. Mas também sou bem crítica com relação à governança europeia. Acho que o parlamento é fraco demais, que a Comissão Europeia é poderosa demais, e que as pessoas na Europa não são suficientemente boas em pressionar por mudanças dentro da Comissão.  Então, as pessoas cidadãs europeias tendo o mesmo direito que grandes corporações possuem precisam fazer pressão em nome da população do continente, e isso precisa melhorar.

Podemos ver cada vez mais engajamento cidadão no momento, com o Podemos na Espanha, Nuit Debout na França ou a movimentação no Reino Unido no que diz respeito ao referendo sobre a União Europeia. Você é uma pessoa otimista?

BJ: Eu sou uma otimista crônica e penso que, não apenas na Europa, mas no mundo inteiro, estamos passando por esses tempos de transformação, que estão sendo acelerados devido ao fato de que, enquanto humanidade, nunca estivemos tão conectadas por conta da Internet. Assim, ideias e conhecimentos se movem mais rapidamente, e daí precisamos nos assegurar que podemos usar esses conhecimentos com sabedoria e de forma a beneficiar todo mundo. Tempos pouco tempo sobrando antes que as coisas fiquem caóticas. Temos de lembrar do fato de que, da última vez que o parlamento tinha tão pouca confiança, tivemos uma das épocas mais sombrias do continente.

Assim, as pessoas na Europa precisam encontrar o caminho para se engajar mais e compreender que elas nunca viverão nas comunidades e sociedades de seus sonhos se não se dedicarem a isso. Democracia não tem a ver com atalhos, não é uma questão do caminho mais fácil para sair de uma situação. E o motivo dessa confusão é que as pessoas deixaram de se importar com as funções fundamentais da democracia. Meu sonho é ver a Europa liderando em quesitos como renda básica universal, algo que vai modificar fundamentalmente nossas sociedades. E que nos livremos dessas funções controladas por mega corporações e encontremos o caminho para fazer com que as leis se apliquem igualmente, ao contrário de nossa situação onde a maioria deve viver de acordo com as normas legais e uma certa percentagem de cada nação tem o privilégio de estar acima da lei. Pois isso significa para mim, como legisladora que testemunha os abusos legais cometidos, que não respeitarei lei alguma.

Você se considera uma política ou ativista?

BJ: Eu sou uma poetisa. E você nunca vai vencer a ativista dentro de mim, então sou antes de tudo uma ativista e hacktivista dentro do parlamento. Realmente nunca me caiu a ficha ser uma parlamentar! E se no futuro não funcionar mais eu estou cagando para isso.

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