Carta de princípios v1.0

set 5, 2012 | 5 Comentários

Nota: este documento foi elaborado pelo Movimento Partido Pirata do Brasil (MPPBr),  mobilização coletiva que culminou na fundação do Partido Pirata do Brasil. Dada sua relevância histórica para o Partido, disponibilizamos aqui a Carta, para leitura de todos. Atualmente, os documentos oficialmente reconhecidos pelo Partido Pirata do Brasil, para efeito de deliberação, são o Estatuto, o Programa e as Diretrizes.

 

 

Introdução

Somos um coletivo cuja missão é defender a liberdade e a democratização do acesso a cultura, informação e conhecimento. Nossa carta de princípios é fruto do consenso de todos aqueles que constroem nossa história, e todas ações e posicionamentos de nossos membros devem ser guiados por ela. Nossos princípios são construídos de maneira colaborativa, e estão sempre abertos a discussão e constante reconstrução, a fim de acompanhar as transformações pelas quais passam as pessoas e seu meio, abarcando tudo que acreditamos ser necessário para a viabilidade de uma existência livre, justa, sustentável e colaborativa.

 

 Lutar por uma cultura livre

O atual sistema de direito autoral brasileiro é um dos piores no mundo no que diz respeito ao escopo e duração da proteção (no caso, 70 anos após a morte do autor, sendo maior até que o prazo estipulado pela Convenção de Berna), às liberdades de acesso e uso e à liberdade para compartilhar e transferir cultura e conhecimento. Nossa lei vigente não possui o mecanismo de fair use, e as exceções e limitações são bastante restritas, não se enquadrando à realidade de sua população – já que não permite, por exemplo, cópia privada sem fins comerciais de obras raras e esgotadas. Além disso, a lei é obsoleta, datando de 1998, e não abrange as mudanças trazidas na sociedade contemporânea pelas inovações tecnológicas das últimas décadas.

Nós queremos, portanto, que o sistema de direito autoral seja mais condizente com a realidade brasileira, mais balanceado, e que permita a democratização do acesso à cultura, informação, e conhecimento. Para isso, propomos a diminuição da duração do direito autoral para 5 anos após a publicação da obra – tempo suficiente para o autor explorá-la comercialmente e permitir que após isso ela seja apropriada pelo público. Acreditamos que toda construção de cultura e conhecimento se dá sobre aquilo que já foi criado: ninguém parte do zero para criar inovações de qualquer caráter; por isso, restringir o acesso a essas fontes significa limitar a criatividade humana. Acreditamos no acesso aberto à literatura científica, na produção de recursos educacionais abertos e ainda na colocação em domínio público ou sob licença livre a produção financiada com recursos públicos.

Também queremos limitar a existência de patentes e monopólios desnecessários e prejudiciais para a sociedade, uma vez que são práticas frequentemente utilizadas no âmbito do mercado para diminuir a concorrência (sendo que algumas nem chegam a ser postas em prática), restringindo a inovação. Incentivamos a emergência de novos modelos de negócio que aproximem o autor do usuário, para que ambos se beneficiem do conhecimento criado, das oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias e acabem assim com a influência maléfica exercida pelos intermediários da cultura na democratização do acesso. Também queremos o fim do monopólio de exploração comercial da obra e dos contratos de exclusividade, com o intuito de diversificar a qualidade e os preços para que todas as camadas sociais tenham acesso às obras em suas mais diversas formas e suportes.

Buscamos um sistema de direito autoral equilibrado que regule apenas a cultura comercial, e deixe a cultura não comercial livre para ser compartilhada, apropriada e desenvolvida por todos os indivíduos.

 

 Lutar pela democracia e pela liberdade

Consideramos que os piratas podem inovar e agir de modo mais dinâmico do que os atuais players da democracia brasileira. Há diversos espaços para atuação: não somente o legislativo, mas também os órgãos executivos de gestão pública apresentam ambientes estratégicos para o diálogo crítico sobre transparência, governo eletrônico e definição de políticas de privacidade.

O ambiente acadêmico também possibilita interação efetiva para o desenvolvimento político do partido pirata. Participar de todas as esferas da sociedade é indispensável para introduzirmos questões inovadoras. Além disso, sabemos que as próximas gerações estarão mais familiarizada com os ideais piratas. Por essa razão, devemos agir estrategicamente para a recepção desses novos atores nas esferas onde atuamos.

Democracia é uma atividade coletiva que se adapta aos tempos. Nós acreditamos que a revolução digital abriu portas para atualizarmos os modos de engajamento político e de conquista dos direitos a ele associados, de modo que a proteção dos direitos civis, no atual ponteiro da história, passa pela revisão de leis e práticas em defesa da privacidade. Constatamos, portanto, que a privacidade não depende apenas das leis, mas também de instrumentos que a assegurem. Politizar esse debate é importante, mas politizar de modo inovador é fundamental.

Por isso, devemos explorar e descobrir ferramentas para a decisão coletiva. Se nós propomos meios para envolver os cidadãos na democracia eletrônica, devemos também propor mecanismos para o diálogo mútuo. A ditadura da maioria é uma falha das instituições democráticas. Em vez disso, nós preferimos construir uma democracia deliberativa, que possibilite a participação real dos cidadãos em questões públicas do seu interesse.

Os softwares livres e os sistemas de governança eletrônica nos trazem ideais libertários e oportunidades para redução de custos, geração de inteligência e accountability. Devemos aproveitar as movimentações já existentes nessa direção, considerando que tais soluções devem caminhar junto com a inclusão digital, a privacidade, o anonimato, a neutralidade da internet e democratização da mídia: valores que defendemos de maneira irredutível.

 

 Lutar pela inclusão

Acreditamos que os indivíduos tem direito de acessar e se apropriar de todos os meios de comunicação de maneira igualitária, para a promoção e desenvolvimento de suas necessidades e em prol de benefícios coletivos. Acreditamos que a importância da inclusão digital vai além do acesso: deve-se possibilitar também a instrução necessária para que se utilize esses meios de maneira adequada.

A Internet deve ser entendida como direito fundamental. Por isso, apoiamos o investimento em inovação tecnológica local que cause a diminuição do preço das ferramentas tecnológicas, assim como incentivamos as empresas de tecnologia da informação a incorporarem estímulos sociais de inclusão digital em suas ações. Somos a favor de planos nacionais e regionais que promovam maior inclusão dos indivíduos na economia interconectada da informação, de maneira ampla e sustentável.

Defendemos a inclusão digital como prioridade política; igualmente, defendemos que a promoção da inclusão digital caminhe também na direção da produção colaborativa e dos padrões abertos, possibilitando aos indivíduos a apropriação de cultura, conhecimento e informações.

 

 Lutar pela descriminalização da pirataria

Existe no Brasil uma tendência à criminalização da pirataria de rua, que acaba recaindo em uma criminalização da pobreza. Acreditamos que ambulantes são agentes de difusão cultural e que podemos pensar em modelos alternativos de negócios que beneficiem os atores envolvido, como a aproximação do autor e do vendedor ambulante, para que haja a legalização da cadeia produtiva e a promoção do acesso das camadas de baixa renda à cultura e ao conhecimento. Também somos favoráveis à legalização do compartilhamento de arquivos e da livre difusão da cultura, do conhecimento e da informação. Somos contrários às ameaças contra a Internet e a cultura, como a resposta graduada e o uso de DRM (Digital Rights Management) para bloquear o acesso às obras.

São Paulo, Novembro de 2010.

MOVIMENTO DO PARTIDO PIRATA DO BRASIL

www.PartidoPirata.org

5 Comentários

  1. Antonio Bittencourt

    Olha, acho que o grande erro do homem sempre foram os excessos. Se errar na mão pode desandar um bolo, na política e administração pública não é diferente. E erros em política são comuns, e os vemos desde Cuba, Venezuela, passando pela Europa, aos EUA, ou seja, não há um modelo a ser seguido que não seja o bom senso, a coragem e a gentileza. Acho que a base, poderia-se dizer, seria integrar as divergências, situando-as e fortalecendo-as onde estejam corretas, permitindo a diversidade e fazendo-a atuar a favor do ser humano e não ve-lo como simples coadjuvante do motor da história. Não se pode querer que uma propriedade rural dê certo expulsando o dono e entregando-a aos peões. Da mesma forma, ela também não funcionará por meio da exploração de mão de obra. O ideal seria a conscientização do papel de cada indivíduo, valorizando o grupo como um todo, pois, voltando ao exemplo da fazenda, o queijo premiado vendido no mercado dependeu da qualidade do trabalho de todos, do pastor, do engenheiro agrícola, do peão, do gerente, do
    veterinário, do gestor de negócios, enfim, de todos que lá trabalham, não havendo, então, função menor ou menos importante, todos fazem parte de um todo, no caso, o queijo premiado da fazenda.
    Essa visão sociopolítica se faz na escola. Todos os países que saíram do buraco o conseguiram investindo em uma excelente e primorosa educação, da básica à universitária, centros de pesquisa e formação de professores e gestores.
    Com isso, com a valorização do ensino e, consequentemente, do indivíduo, o conhecimento adentra às famílias e, como efeito em cascata, vai moldando comunidades, bairros, etc.
    Outro fator que mata o brasileiro é que ele já nasce culpado. A burocracia criada para dificultar tudo o coloca como um ser em dúvida, tendo sido habituado a provar sua palavra por via de extensa documentação, em duas vias, três testemunhas e dois fiadores. O estado precisa reaprender a confiar no cidadão para que este se sinta acolhido pela sua cidade e jogue como um aliado, não precisando inventar artifícios inescrupulosos para burlar um sistema que só faz atrapalhar e confundir sua vida.
    Se eliminarmos essa papelada, desnecessária, eliminamos o maior vilão do progresso.
    Do outro lado, uma justiça célere, objetiva, sem devaneios de linguagem, hoje verdadeiro espetáculo teatral subvertido ao seu fim, que é o de julgar.
    E por fim, a implantação de um imposto único, nos mesmos moldes da CPMF, onde vc paga o que consome, isso sendo automaticamente computado na movimentação financeira, tornando-se um prático e eficiente método de fiscalização e evitando sonegação. Na indústria e comércio, determina o preço do bem a partir dos insumos necessários em seu processo criativo e produtivo. Eliminariam-se todos os outros impostos, inclusive o de Renda, pois esta, como dito, estaria computada em sua movimentação financeira.
    Se o homem fosse um ser naturalmente colaborativo e não egoísta, isso já estaria acontecendo. Mas a ganância por cada vez mais cega o indivíduo. Vemos nestes escândalos que surgem nos jornais que os corruptos e corruptores são ricos e não precisariam disso para viver bem. O fazem pela simples vontade de ter mais, mesmo que não saibam, ou não pensem, bem o por que.
    E, de uma vez por todas, fortalecer a ideia de que o dinheiro recolhido de impostos é público, sendo assim, não é admissível que categorias profissionais “definam” seu próprio salário, devendo estarem vinculados a um piso nacional, único. Juízes, políticos ou quem quer que seja jamais deveria poder definir seus vencimentos e muito menos ter pensão, bolsa educação, auxilio moradia, bolsa paleto, verbas parlamentares para uso eleitoreiro, etc, etc, etc. Isso é imoral, pode até ser “legal”, mas é criminoso com o desenvolvimento do pais.
    Vou parar por aqui, senão não acabo nunca… (rsrsr)
    Bom, essa é a minha opinião.
    Espero, com vontade, que suas bases ideológicas sejam melhor definidas para que muitos possam levantar essa bandeira.
    Grande abraço a todos e boa sorte.

    Responder
  2. Willian Ohara

    Também concordo com ALGUNS PONTOS, mas algumas coisas me preocuparam aqui. As propostas na carta de princípios são bem mais coesas e não contem alguns dos temas que estão nas diretrizes e programas, principalmente os temas polêmicos como descriminalização dos usuários de drogas (tema que não faz o menor sentido considerando todas as propostas que há no site) sobre a saúde, diversidade cultural e a questão do anonimato.
    Antes de entrar no mérito das propostas tratadas, a carta de direitos deveria conter todos os temas tratados nos programas e diretrizes e deveriam ser melhores explicados. Inclusive, vendo a carta, fico bastante preocupado, pois os temas abordados e argumentados são somente sobre a redução das patentes, investimentos na tecnologia, redução do preço da tecnologia tratadas de forma objetiva e direta. Enquanto temas como a diversidade cultural, educação e colaborativismo tratados de forma subjetiva e sem nenhum embasamento. Além disso, não há qualquer menção a transparência pública e a preocupação socioeconômica do país ou preocupações ambientais tratados nos outros tópicos.
    Ressalto assim perguntas cruciais para a sobre a sua inclinação política:
    Ora apresentam temas como a valorização da educação, cultura e colaboração, ora apresentam temas de puro interesse econômico. Ressalto também algumas implicações, como a redução da duração das patentes (somente do BRASIL, de 70 para 5 ANOS, o que tornaria praticamente livre, para qualquer nação usar nossas tecnologias. Sendo mais agravante ainda não termos o direito de usar as patentes dos outros países) , a redução dos preços da tecnologia (o que implica no aumento da importação de produtos tecnológicos, pois o Brasil não tem infraestruta para desenvolver sua própria tecnologia nem desenvolve sua própia tecnologia em vários setores), investimento na tecnologia (em tecnologia de que origem?).
    Assim a carta de direitos apresentadas por vocês que trazem sérios riscos a nossa economia, pois já somos um país com tecnologia nacional precária no sentido amplo e com uma economia razoavelmente estável, mas somente por causa das limitações e sanções políticas (também acho prejudiciais, mas são inegavelmente essenciais para manter a nossa economia funcionando com saldo positivo). E quanto a nossa cultura e educação, ou mesmo ao meio ambiente e a universalização dos serviços tratados no programa?
    Vocês deveriam expor na sua carta de princípios mais temas sobre o investimento a cultura e educação do nosso país, valorizar a nossa sociedade, inclusive sanar a nossa precariedade econômica. Caberia muito mais a um partido pirata do Brasil, uma redução da duração das patentes no Brasil para uso em tecnologias e incentivos ao desenvolvimento tecnológico brasileiro e a redução dos preços da tecnologia com o aumento dos investimentos no desenvolvimento de peças usadas por esses equipamentos (pois já que somos um dos maiores exportadores de matéria prima para tecnologia do mundo, por que não podemos desenvolver as peças e equipamentos usados nas novas tecnologias? Geraria mais ganhos para o nosso país, reduziria os preços das tecnologias do país e tornaria o Brasil mais competitivo, além de romper com o monopólio das empresas, tema muito pregado pelo partido pirata).

    Responder
  3. Charles Hertz

    quanto a questão econômica, qual a ideia de vocês? dar liberdade total no mercado (o que mais teria haver com o partido) ou restringir a liberdade de mercado (como sempre fez o governo Brasileiro)?

    e em relação a tamanho do estado e impostos? qual a ideia do partido?

    Responder
  4. Hudson

    Difícil é Thiago, mas com a união de pessoas com os mesmos ideais pode se tornar possível..

    Responder
  5. Thiago Bassan

    Parece bom, mas executar isso, vai dar muito trabalho, concordo com QUASE TUDO que li, e gostaria de ajudar em quase tudo, tem o meu apoio.

    Responder

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