Protesto não é crime: os 23 do Rio

dez 12, 2015 | Ativismo, Destaque, Internet, Legislação, Manifestações | 1 Comentário

Por Sophia Besthorn

Nos próximos dias, o processo contra os 23 ativistas políticos do Rio de Janeiro entra na sua fase final que, resultará nas  sentenças a serem proferidas pelo Juiz da 27ª Vara Criminal, Flávio Itabaiana.

Após os protestos populares de Junho de 2013, tornou-se clara a fragilidade do Estado brasileiro perante a revolta do seu povo. Assistimos a tomada das ruas das principais capitais por multidões que exigiam não caprichos, mas os serviços essenciais que estão ausentes de suas vidas.  A resposta do poder público foi nada menos do que a força bruta das polícias e uma cortina de fumaça eleitoral, cheia de medidas paliativas, ouvidos moucos e promessas vazias de reforma e mudança no futuro.

Ainda em 2013, por um decreto do então Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, as empresas de telecomunicações foram obrigadas a  entregar dados de usuários de internet. Depois disso, em 2014 – um dia antes da final da Copa do Mundo da FIFA – o governo do Rio de Janeiro prendeu quase 30 pessoas em suas casas, muitas das quais sequer se conheciam, acusadas de formação de quadrilha. Estas pessoas foram escolhidas a esmo para forjar uma organização que não existe (e se existisse, não seria criminosa) em uma tentativa de enfraquecer as manifestações que ocorriam, servindo como bodes expiatórios para canalizar as insatisfações e transferi-las da figura do governo para supostos “vândalos” ou criminosos.

Quadrilha, segundo o portal JusBrasil, é:
“Associação  de três ou mais pessoas  com a finalidade de praticar crimes. Na  terminologia do Direito Penal,  tem o mesmo sentido de bando ou grupo de  malfeitores, que, obedientes a  um chefe, se dedicam a roubos, assaltos  e homicídios”.

Operação Firewall 2

As prisões foram resultado da Operação Firewall 2, coordenada pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), que cumpriu 26 mandados de prisão  temporária por cinco dias e dois de busca e apreensão expedidos pela Justiça. Além disso, a operação mobilizou pelo menos 25 delegados, 80 policiais e uma aeronave, usada para a busca de um dos acusados na cidade de Armação dos Búzios, no litoral do Rio.

O processo de acusação conta com cinco apensos e oito volumes (um total quase de 7.500 páginas), onze DVDs  com escutas telefônicas, rastreamento telemático e dois DVDs com  filmagens realizadas pela polícia que revelam o monitoramento e quebra  de sigilo. Facebook, Google, Yahoo e Hotmail forneceram informações de usuários com um simples pedido judicial, sem qualquer comprovação de materialidade. O Facebook, que a princípio se negou a ceder os dados, foi ameaçado de retirada do ar em todo o Brasil. Todas as operadoras de telefonia  celular do Rio de Janeiro também entregaram os dados e forneceram  escutas telefônicas e monitoramento telemático (deslocamento por meio dos aparelhos celulares); Vivo, Tim, Oi e Claro. Além disso, a criptografia de dados em computador, o uso de comunicação segura e o uso do TOR são assinalados pela polícia como um fator de suspeita e criminalização. A utilização de Linux também é colocada como um fator de criminalização.

Fragilidades do processo

–  Apesar de não ser recomendado em processos judiciais – nos quais é necessário indícios palpáveis e provas concretas – publicações da imprensa foram largamente utilizadas como provas. Como exemplo, uma matéria de grande jornal foi anexada como prova de que Elisa Quadros (Sininho) fez “curso de  militante na Rússia e em Cuba” para tocar o terror. Não houve investigação que trouxesse materialidade ao que foi publicado no jornal: por bizarro que isso seja, juridicamente, uma publicação de cuja veracidade não há nenhuma prova está sendo usada sem questionamento. (Não, não estamos brincando) Confira : http://nfde.tk/87hs

– Existe um depoimento em especial que está fora do comum. O segundo depoimento de um dos investigados, além de contradizer totalmente seu primeiro depoimento, incrimina uma série de outras pessoas das quais até então não havia citação, fala em roubos e assaltos, em eventos  alucinantes. Neste segundo depoimento, além de erros grosseiros de português, não há um estilo narrativo que o conecte ao primeiro depoimento, incluindo os apelidos e nomes dos investigados (que estavam todos em minúsculo sem grifo, quando normalmente são  grifados em maiúsculo) e não há  separação nas sentenças que o sujeito fala.  É como se este segundo depoimento não tivesse sido feito pelo mesmo método ou pela mesma pessoa.

Por fim, em mensagens interceptadas pela polícia, Bakunin era citado por um  manifestante, passando a figurar dos autos como investigado e potencial suspeito. O problema é que o filósofo russo está morto desde 1876. http://naofo.de/s0n

A DRCI tomou como depoimento de maior relevância um relato controverso, em que a principal testemunha caiu diversas vezes em contradição. Seu autor é Felipe Braz, um agressor de mulheres que já havia jurado se vingar dos movimentos. Em praticamente qualquer processo, estas condições e sua clara intenção de prejudicar outros envolvidos o colocariam no mínimo sob suspeição.  Neste caso, porém, seus relatos foram dotados virtualmente de materialidade jurídica.

Não obstante, também foi tomado como depoimento de maior importância o de um rapaz com sérios problemas interpessoais e mentais, atestados até mesmo por sua mãe em depoimento. O depoimento da mãe foi desconsiderado, e o de uma pessoa com atestados problemas mentais tratado com legitimidade.

Quem são os 23 ativistas:

Entre os ativistas há professores de sociologia, filosofia e história.  Alguns grevistas. Advogadas. Uma jornalista. Casais de namorados.  Outros tantos estudantes.

O professor Felipe Proença também foi arrolado no processo.

A investigação ostensiva de suas vidas foi  justificada através de mandados que indicavam  como crime a quebra de  proteção à propriedade intelectual de programa  de computador, ou seja, a  fabricação de mecanismos para ativar o  funcionamento de programas. Esta  motivação dúbia da justiça se  justifica não por estarmos frente a gênios da comunidade hacker, peritos em informática ou qualquer envolvimento de violação de direito autoral de programas de computador nos protestos, mas sim uma conveniência legal para autorizar o  confisco de equipamentos eletrônicos.

A fábula política

Observamos hoje como frutos da luta popular, não a redução das tarifas, mas a certeza de que o Estado está mais preocupado em perseguir seu povo do que ouvi-lo.

É neste contexto de medo do povo organizado para cobrar seus direitos que tramitam no congresso medidas de criminalização do uso da internet como forma e meio de organização de protestos, estabelecendo punições muito mais severas para aqueles que façam seu uso. Este tipo de legislação é não somente absurda mas de caráter extremamente retrógrado: imaginem transformar em crime e estabelecer punições mais graves para protestos organizados através de panfletos, ou através de celulares?

Em tempo: para muitos juristas e pessoas do meio jurídico, não há  dúvidas de que se trata de perseguição contra pessoas que protestavam contra políticos como Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão. O advogado Nilo Batista, um dos mais renomados criminalistas do país, classificou o processo contra os ativistas de “absurdo”. “Ali estão sendo criminalizados grupos políticos de várias vertentes, mas principalmente de esquerda.

Desembargador do TJ-RJ e coordenador da Associação Juízes para a Democracia, Siro Darlan também manifestou recentemente seu repúdio através de uma fábula:

Esopo e os políticos
 
” Esopo foi um pensador grego que escreveu no século VII antes de  Cristo fábulas de caráter moral e alegórico que permanece aplicável até  os tempos atuais. Uma delas me chama muita atenção pelo seu caráter  pedagógico e a prevalência do instinto animal da força sobre a razão.
 
 Conta Esopo que um lobo estava bebendo água num riacho, logo mais  abaixo um cordeiro começou a beber. O lobo, fazendo uso de sua  superioridade, de sua força e de sua arbitrariedade, reclamou  arreganhando os dentes: “Como você tem a ousadia de vir sujar a água que  estou bebendo?” O cordeiro, com subserviência e humildade respondeu:  “Como sujar? A água corre daí para cá, logo não posso estar sujando sua  água.”
 
 O lobo, autoritário, replicou: “Não me responda. Pois  sei que você estragou o meu pasto. O cordeiro, humilde, respondeu: “Como  posso ter estragado seu pasto, se nem dentes tenho?” Ao que emendou o  lobo: “Fiquei sabendo que você andou falando mal de mim há um ano”.  <CW-17>O cordeiro, inocente, respondeu: “Como poderia falar mal do  senhor há um ano se sequer completei um ano?” E o lobo arrogante não  tendo mais argumentos, atacando o cordeiro, ainda disse: “Se não foi  você, foi seu pai, sua mãe, algum parente”. E devorou o mais fraco.
 
 A história é a mesma. O lobo reformou um estádio com superfaturamento e  entregou para seus amigos construtores, destruiu o parque aquático e a  pista de atletismo às vésperas de uma Olimpíada. Expulsou os índios,  aumentou a tarifa dos transportes, colocou o helicóptero oficial para  transportar animais de estimação e contratou a esposa para administrar  as concessionárias públicas responsáveis pela má prestação do serviço e  alto custo para o rebanho.
 
 O cordeiro oprimido pelo alto custo  de vida e entristecido pelo uso feito das taxas e impostos cobrados  pelo lobo foi às ruas reclamar contra essa exploração exigindo respeito  aos mais humildes e oprimidos. O lobo, tal como no século VII A/C, deu  ordens a seus guardas para que prendessem os cordeiros e os levassem  para as masmorras acusando-os de incendiarem a Casa das Leis, que nunca  foi incendiada; quebrarem as vidraças dos banqueiros, que nunca  reclamaram qualquer dano.
 
 Enfim, mais uma vez, o autoritarismo  e a força venceram a razão e os argumentos disponíveis dos mais  frágeis. Os cordeiros estão nas masmorras. Mas quem se importa?”

Fonte: http://nfde.tk/87hr

O ano de 2013 começou com uma série de greves, atos contra aumento das passagens, protestos que questionaram a Copa do Mundo e comunidades se rebelando contra a falta de água, luz e a morte de seus jovens ( principalmente negros) pela polícia. Cresceu o nível de consciência da população em uma ponta  e o medo dos poderosos na outra.  A política repressiva do Estado brasileiro para garantir os lucros das corporações  já está devidamente elaborada e justificada.

Patrocinadores estreitam contatos com secretarias de segurança pública e pressionam governo federal (10/02/2014):
http://nfde.tk/87hq

Parafraseando Eduardo Marinho: “onde se levanta a resistência, a repressão cai em cima, impiedosa. Os  poderes da sociedade não se declaram, mas  há uma infinidade de pretextos,  biombos, cenários e discursos pra esconder as reais motivações de tamanha barbárie.”.

1 Comentário

  1. Leonardo

    Ridículo! Agora usar Linux é um fator de crime? Então todos os servidores, roteadores, e a maioria dos celulares são ilegais? E usar TOR torna de alguém um suspeito? Qual é o problema de tentar ter alguma privacidade na internet com ele?

    Responder

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