Vigilância é o modelo de negócios da Internet

out 8, 2017 | Artigos e Publicações, Legislação, Notícias | 0 Comentários

Quando o assunto é privacidade na internet, tenha muito medo

por Liz Mineo, Harvard Staff Writer

“Vigilância é o modelo de negócios da internet,” segundo Berkman e Belfer.

Na Era da internet, os consumidores parecem se conformar cada vez mais em abrir mão de aspectos fundamentais de sua privacidade em troca da conveniência no uso de seus telefones e computadores, e, à contragosto, aceitaram que ser monitorados por corporações e até governos é um apenas um fato da vida moderna.

De fato, usuários de internet nos Estados Unidos têm menos proteção à privacidade do que usuários de outros países. Em abril, o congresso estadunidense votou a favor de permitir que provedores de serviço coletem e vendam  os dados de navegação de seus consumidores. [NT: Brasil pretende apresentar lei sobre dados pessoais] Em contraste, a União Europeia multou o Google neste verão em 2,7 bilhões de dólares pela prática ilegal de truste.

Para poder ter noção do atual cenário da internet, a Gazeta de Harvard entrevistou o especialista em cibersegurança Bruce Schneier, um parceiro do “Centro Berkman Klein para Internet & Sociedade” e do “Centro para Ciência e Assuntos Internacionais” na Escola Kennedy da Universidade de Harvard.

GAZETA: Após as revelações do denunciante Edward Snowden sobre a operação de vigilância em massa feita pela Agência Nacional de Segurança estadunidense (NSA) em 2013, até que ponto o cenário governamental mudou neste campo?

SCHNEIER: As revelações de Snowden chamaram a atenção das pessoas sobre o que estava acontecendo, mas poucomudou como resultado. O “Ato de Liberdade Estadunidense” (USA Freedom Act) resultou algumas pequenas mudanças num único programa de coleta de dados do governo. A coleta de dados pela NSA não mudou; as leis que regulam o que a NSA pode fazer não mudaram; a tecnologia que permite que eles o façam também não mudou. Então o cenário é praticamente o mesmo.

GAZETA: Deveríamos estar preocupados com isto?

SCHNEIER: As pessoas deveriam estar alarmadas, tanto como consumidores quanto como cidadãos. Mas hoje, as coisas com as quais nos preocupamos dependem muito do que está em destaque na mídia, e no momento a vigilância em massa não está nas notícias. Não foi um assunto na eleição de 2016, e no geral não é algo que os legisladores estejam dispostos a enfrentar. Snowden contou sua história, o Congresso passou uma nova lei em resposta, e as pessoas seguiram em frente.

GAZETA: E a vigilância corporativa? Quão difundida ela é?

SCHNEIER: Vigilância é o modelo de negócios da internet. Todos estão sendo constantemente vigiados por diversas companhias, desde as redes sociais como Facebook até operadoras de telefone. A informação é coletada, compilada, analisada e usada para tentar nos vender coisas. Personalizar a propaganda é a forma como estas empresas fazem dinheiro, e é por isto que ainda temos tanto conteúdo gratuito para usuários. Nós somos o produto, não os consumidores.

GAZETA: Eles deveriam ser impedidos?

SCHNEIER: Está é a questão filosófica. Pessoalmente, eu acho que em muitos casos a resposta é sim. É uma questão de quanta manipulação permitimos em nossa sociedade. Neste momento, a resposta é que vale tudo. As coisas não foram sempre assim. Nos anos 1970, o congresso estadunidense passou uma lei que tornou ilegal um tipo de propaganda subliminar porque acreditava-se que era moralmente errado. Esta técnica de propaganda é uma brincadeira de criança comparada com o tipo de manipulação personalizada que as empresas fazem hoje em dia. A questão legal é definir se esse tipo de cibermanipulação é uma prática de negócios enganosa e injusta, e, se for o caso, se a Comissão Federal de Comércio pode agir e proibir muitas destas práticas.

GAZETA: Por que a comissão não faz isto? Por que esta invasão acontece e ninguém faz nada sobre isto?

SCHNEIER: Estamos vivendo em um mundo em que leis federais não possuem efetividade, e o que prevalece é a ideia neoliberal de que as companhias devem ser livres para fazer o que quiserem. Nosso sistema é otimizado para que as empresas façam tudo que seja legal para maximizar seus lucros, com pouca consideração pela moralidade. Shoshana Zuboff, professora da Harvard Business School, inventou o termo “capitalismo de vigilância” para descrever o que está acontecendo. É muito lucrativo e se alimenta da propriedade natural dos computadores de produzirem dados sobre o que estão computando. Por exemplo, celulares precisam saber onde todos estão para que possam completar ligações. Como resultado, são aparelhos de vigilância onipresentes que vão muito além dos sonhos da Alemanha Oriental na época da Guerra Fria.

GAZETA: Mas o Google e o Facebook enfrentam mais restrições na Europa do que nos Estados Unidos. Por quê?

SCHNEIER: A Europa tem regulações mais duras de privacidade do que os Estados Unidos. Em geral, cidadãos estadunidenses tendem a desconfiar do governo e confiar nas empresas. Europeus tendem a confiar mais no governo e desconfiar das empresas. O resultado é que há mais controles sobre a vigilãncia governamental nos Estados Unidos do que na Europa. Por outro lado, a Europa limita as empresas em um grau muito maior do que os Estados Unidos faz. As leis estadunidenses têm uma forma desapegada de tratar as companhias de internet. Sistemas computadorizados, por exemplo, são isentos de muitas das leis de responsabilidade pelo produto ou serviço. Isso aconteceu originalmente por medo de atrapalhar a inovação.

GAZETA: Parece que os consumidores estadunidenses estão conformados com a ideia de abrir mão de sua privacidade em troca de usar o Google e Facebook gratuitamente. Qual a sua visão sobre isto?

SCHNEIER: Os resultados das pesquisas são conflitantes. Os consumidores estão preocupados com sua privacidade e não se gostam que as companhias saibam de seus segredos íntimos. Mas eles se sentem impotentes e frequentemente se conformam com invasões de sua privacidade porque realmente não possuem escolha. As pessoas precisam de seus cartões de créditos, celulares, emails e contas em redes sociais. Isto é o necessário para se tornar um ser humano completamente funcional no inicio do século XXI. É por isso que o governo precisa interferir.

GAZETA: Você é um dos especialistas em cibersegurança mais conhecidos do mundo. O que você faz para proteger sua privacidade online?

SCHNEIER: Eu não tenho nenhuma técnica secreta especial. Eu faço as mesmas coisas que todo mundo faz, e faço as mesmas trocas que todos também fazem. Eu acesso o banco online. Eu compro online. Eu ando com celular, e ele está sempre ligado. Eu uso cartões de crédito e tenho registro nas companhias aéreas que costumo viajar. Talvez a coisa mais estranha no meu comportamento na internet seja que não estou em nenhuma das plataformas de mídia social. Isso pode  me fazer parecer uma aberração, mas honestamente é bom para a minha produtividade. Em geral, especialistas em segurança não são paranoicos; nós apenas temos um melhor entendimento das concessões que estamos fazendo. Assim como todos, nós regularmente abrimos mão da nossa privacidade por conveniência. Nós apenas sabemos que estamos fazendo isso de forma consciente. 

GAZETA: O que você faz para proteger sua privacidade online? Você criptografa seu email?

SCHNEIER: Eu cheguei a conclusão de que o email é fundamentalmente inseguro. Se eu quero segurança numa conversa online, eu uso um chat com criptografia ponta a ponta como o Signal. Em sua grande maioria, segurança de emails está fora de nosso controle. Por exemplo, eu não uso Gmail porque eu não quero o Google tendo acesso a todos os meus emails. Mas da última vez que conferi, o Google tinha acesso a metade dos meus emails porque todos vocês usam Gmail.

GAZETA: O que o Google sabe sobre você?

SCHNEIER: O Google não fala disso porque sabe que as pessoas ficariam espantadas. Mas pense nisto, o Google sabe muita coisa sobre todos nós. Ninguém nunca mente para uma ferramenta de busca. Eu costumava dizer que o Google sabe mais sobre mim do que minha esposa, mas vai muito além disso. O Google me conhece ainda melhor, porque o Google tem uma memória perfeita de uma maneira que as pessoas não tem.

GAZETA: Seria o Google o “Big Brother?”

SCHNEIER: “Big Brother” no conceito Orwelliano significava um grande governo. O Google não é isso, e isso não é nem mesmo a NSA. O que nós temos são muitos “Little Brothers”: Google, Facebook, Verizon, etc. Eles tem quantidades enormes de dados de dados sobre todo mundo, e querem monetizar isto. Eles não querem respeitar sua privacidade.

GAZETA: Em seu livro “Dados e Golias: As batalhas escondidas para coletar seus dados e controlar seu mundo”, você recomenda algumas estratégias para as pessoas protegerem sua privacidade online. Qual é a mais eficaz?

SCHNEIER: Infelizmente, vivemos em um mundo onde a maioria dos nossos dados está fora do nosso controle. Estão “na nuvem, armazenados por empresas que podem não ter o melhor de nossos interesses em seus corações. Então, enquanto existem estratégias técnicas que as pessoas podem aplicar para proteger sua privacidade, elas em sua maioria afetam apenas as bordas da questão. A melhor recomendação que tenho para as pessoas é se envolver no processo político. A melhor coisa que podemos fazer como cidadãos e consumidores é tornar isso uma questão política. Forçar nossos legisladores a mudar as regras. Abster do uso não funciona. Não há sentido em dizer as pessoas para não usarem cartões de crédito ou não terem endereços de email. E pedir para os consumidores ficarem alerta coloca muito ônus nos indivíduos.As pessoas não testam seus alimentos por agentes infeciosos ou a segurança de suas companhias aéreas. Quem faz isso é o governo. Mas o governo falhou em proteger os consumidores de empresas da internet e das gigantes das mídias sociais. Mas isso vai será revertido. A única forma efetiva de controlar grandes empresas é através da ampliação do papel dogoverno. Minha esperança é que entusiastas da tecnologia também se envolvam no processo político – em governos, eminstitutos de pesquisa, universidades, e assim por diante. É aí que a verdadeira mudança vai acontecer. Eu tendo a ser um pessimista de curto-prazo e um otimista de longo-prazo. Eu não acho que a sociedade se dará por vencida. Esta não é a primeira vez que vemos mudanças tecnológicas que ameaçam prejudicar a sociedade, e não será a última.

Esta entrevista foi editada em função do tamanho e para maior clareza.

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