Opinião PIRATA » Antecedentes históricos do pensamento pirata, por Maurinho Medeyer

fev 28, 2014 | Artigos e Publicações, Compartilhamento de arquivos, Destaque, Legislação, lobby, Opinião PIRATA | 0 Comentários

Os Partidos Piratas surgidos pelo mundo defendem que todo conhecimento deva ser livre e portanto, compartilhado. Isso não é uma invenção ou um modismo da atualidade. Essa é uma necessidade que nós, seres humanos sentimos desde sempre.

São inúmeros os antecedentes históricos, culturais e filosóficos do pensamento pirata encontrados na história. O desejo humano de ter Liberdade e sua paixão pelo Conhecimento são tão antigos quanto nossa própria espécie. Sempre procuramos expandir os limites de nossa existência, seja socialmente, geograficamente ou mentalmente. Há uma tendência natural de procurarmos sempre uma forma de contornar obstáculos e limitações para a vida humana e nossa felicidade. Vejamos alguns exemplos dessa busca.

O mito sumério de Gilgamesh (1700 aC) é um dos maiores exemplos dessa jornada, mas outros mitos antigos também exibem essa busca. Prometheus, por exemplo, roubou o fogo de Zeus e deu aos seres humanos, para assim melhorar permanentemente a condição humana. Essa narrativa, como tantas outras, é uma alegoria para um evento histórico real, que aconteceu de fato, no passado distante da história humana: no Alvorecer da Humanidade, a vida era curta, cruel e brutal. Durante o dia, caçavam e morriam em bandos, sob o sol inclemente. À noite, não havia nada que pudessem confortá-los além de sons vazios e as estrelas, que raramente se aventuravam a olhar. Raramente também passavam dos 30 anos, e nesse tempo, viam muitos dos seus 10 filhos, ou mais, morrer ainda infantes. As Leis da Natureza e todas as outras formas de Conhecimento estavam encobertas por um véu impenetrável de mistério, terror e superstição. Uma grande neblina encobria o oceano da Informação, do Conhecimento e da Sabedoria. A energia disponível para o ser humano médio durante a maior parte da nossa evolução era apenas a força de nossas próprias mãos, cerca de um oitavo de um cavalo-vapor.

Para a espécie humana, o domínio de uma nova fonte de energia – o fogo – inaugurou a Tecnologia e foi o ponto chave em nossa evolução tecnológica, pois o cozimento dos alimentos forneceu mais calorias para o cérebro do que os alimentos crus, o que gerou mais energia, tempo livre para atividades sociais e o aumento do número de neurônios (FONSECA-AZEVEDO; HERCULANO-HOUZEL, 2012: “Metabolic constraint imposes tradeoff between body size and number of brain neurons in human evolution”). Em outras palavras, hackeamos a natureza! E, através desse biohacking nos sistemas de fornecimento de energia e nutrientes no cérebro, conseguimos um “upgrade evolutivo” (uplifting).

Assim, embora ninguém saiba a identidade do primeiro pirata, sua origem é certa: o primeiro pirata foi o primeiro homem da Terra, pois no momento em que a jovem Humanidade descobriu como controlar o fogo, o compartilhamento desse conhecimento foi usado não apenas como instrumento de obtenção de poder, mas também como um novo tipo de poder, se espalhando então por toda a savana africana, e daí para o mundo. Essa primeira singularidade (ver nota do autor ao final) nos permitiu efetivamente “descer das árvores” e nos afastarmos da cadeia evolucionária de todos os nossos primos genéticos. Numa metáfora, foi como se tivéssemos perdido o medo das águas, e, em vez de apenas nos maravilhar em andar pelo seu litoral, resolvêssemos sair do “continente das trevas”, partido rumo ao “grande mar” da iluminação e do conhecimento. Assim, mais do que “apenas” mais um princípio de uma plataforma partidária, a “utopia” pirata do Conhecimento livre, total e irrestrito para todas as pessoas em todos os lugares através do compartilhamento puro e simples está profundamente enraizada em nossa história evolutiva.

A aventura humana estava apenas começando. Segundo Platão, o conhecimento humano é dividido em dois graus: o sensível, particular, mutável e relativo; e o intelectual, universal, imutável, absoluto, “que ilumina o primeiro conhecimento, mas que dele não se pode derivar”. Assim, o conhecimento é a expressão para toda a experiência humana adquirida, desde a origem da história até os dias atuais. É a soma de todos os pensamentos, criações e invenções da mente humana, incluindo descobertas nas áreas da ciência, matemática, literatura, arte, entre tantas. Para se ter uma vaga dimensão deste conhecimento, é preciso considerar que ele está em constante expansão, desde o início da humanidade, ou seja, ele é potencialmente infinito: não pode ser contido, enclausurado, empacotado, limitado ou vendido como propriedade, bem ou concessão, a alguém ou alguma entidade. Se o Primeiro Homem não tivesse compartilhado seu conhecimento sobre a descoberta do fogo, e não tivesse hackeado os sistemas existentes na época, a própria civilização como a conhecemos, não existiria.

No entanto, mesmo essa forma de compartilhamento de conhecimento (tradição oral) empalidece diante do que conseguimos como civilização, com o sistema da escrita. Para que um pensamento seja expresso por escrito, é necessário que tenha sido claramente entendido pelo autor. Este, por sua vez, entende com mais precisão um pensamento que tenha sido escrito. É exatamente por isso que os registros escritos suplantaram as tradições orais como forma de aquisição de conhecimento. E mesmo os primeiros sistemas de escrita (datados a partir de 4 mil anos aC) não podem ser considerados uma invenção súbita, mas baseados em antigas tradições (de novo, compartilhamento) dos sistemas de símbolos que, embora não sejam considerados como escrita, têm características importantes da escrita, pois também transmitiam informações. Visto que praticamente todo o conhecimento humano pré Internet tem sido preservado na forma de registros escritos (as próprias tradições orais de alguns povos sendo meticulosamente registradas em volumosas enciclopédias, inclusive), é natural que o compartilhamento do conhecimento tornou-se quase um sinônimo de distribuição de cópias ao longo da história.

O grande detalhe é que a maioria dos nossos livros de história não faz essa associação. Tomemos como exemplo um relato registrado no primeiro livro impresso no mundo. O mais antigo registro bíblico que se tem notícia é O Cântico de Deborah sobre a vitória dos Judeus contra os amalequitas. Antes mesmo que Moisés escrevesse um memorial a respeito da Primeira Vitória, o reconhecimento da autora do cântico já circulava livremente entre os homens, oralmente (Jó 15:17-8), sem nunca ter havido qualquer reconhecimento de direitos econômicos ou de propriedade por sua parte. Esse é um documento que foi escrito por dezenas de autores, centenas de vezes, durante milhares de anos, com bilhões de cópias ao longo da história. Seria razoável supor alguma forma de compensação financeira para a autora intelectual do cântico, seja na época, seja no futuro próximo à época, aos seus filhos, descendentes, clã ou tribo. Tal fato certamente seria registrado, porque seria uma distinção honrosa de grande importância na época (lembre-se: estamos falando da primeira vitória dos Judeus na Terra Prometida, um fato que não passou incólume na História de Israel).

O próprio registro de O Cântico de Deborah já era, em si, uma forma de concessão pública para a posteridade. E essa forma de concessão já funcionava como uma forma de distintivo de honra perpétuo, que suplantava em muito, qualquer compensação material alternativa. E essa não é apenas mais uma análise bibliocêntrica. Podemos fazê-la para qualquer outro texto religioso antigo existente na terra e chegar a mesma conclusão. Os mais antigos existentes no mundo – o “Rig Veda” hindu, o budista “Canon dos Três Cestos” e o “Nihongi” dos xintoístas – não fazem qualquer forma de distinção econômica ou “senso de posse” aos autores intelectuais ou aplicavam qualquer punibilidade a quem copiava sem autorização seus textos. Dessa forma, textos Judeus, Cristãos, Hindus, Budistas, Xintoístas, e Muçulmanos foram todos, copiados e recopiados, se qualquer forma de “escrúpulo” ou restrição “moral” que pudesse haver, independente do seu conteúdo ou do autor. A ideia era atingir o maior número de pessoas com a menor limitação possível. O Cristianismo Primitivo, mais especificamente, transformou esse ato de horizontalizar a informação numa forma de arte. Textos, frases, palavras, ideias, símbolos e tudo mais que pudesse transmitir a informação foram usados e passados adiante, de pessoa à pessoa, casa a casa, de maneira quase febril, através de quase todo tipo de material imaginado e disponível existente na época: tabletes de argila, pedras, paredes de cavernas, joias, metal, cera, madeira, óstracos (cacos de vidro ou azulejo), linho, papiro, pergaminho, palimpsesto… Em todos, nunca houve nada nem remotamente parecido com o sistema de propriedade intelectual que se vê hoje ou quando foi criado. Essa forma de monopólio concedido pelo estado era, até pouco tempo, simplesmente inexistente. Fazendo um trocadilho, parece que o Ideal Kopimista (“Copiai e Semeai”) já era compartilhado entre todas as religiões antigas! (ver nota do autor ao final)

Alguém pode alegar que os textos religiosos não contam como argumento pró compartilhamento uma vez que sua autoria pode ser contestada. Esse é um argumento fraco. Geralmente, um documento antigo é aceito por aquilo que ele alega ser, a menos que o historiador possa provar outra coisa. Isto coloca o fardo da prova sobre aqueles que não acreditam no documento. De qualquer maneira, não estou fazendo nenhum juízo de valor sobre o conteúdo dos textos, apenas sobre sua forma de transmissão.

A crítica pode apontar que estou fazendo “proselitismo da informação” ou evidenciando apenas a “sacralidade da partilha” que existia em todas as religiões, mas o fato é que a informação era distribuída livremente de maneira horizontal e irrestrita, a despeito da opressão de impérios e governos verticalizados. Mesmo quando saímos do contexto religioso o cenário fica ainda mais claro: No período Babilônico (587 aC), exilados da Família Real Davídica foram motivados a fazer recenseamento e registros de suas famílias (as “Cartas Genealógicas”), e passarem adiante esse conhecimento para seus filhos e netos, casa a casa, sem qualquer forma de compensação em troca, ou distinção sobre quem elaborava as Cartas ou quem pesquisava as fontes históricas e genealógicas (outras Cartas) da época. Até hoje, muitas famílias ainda conservam essa antiga tradição, em “epístolas da família”, com numerosas referências cruzadas a respeito. Na antiga cultura Grega, um dos nomes mais citados em obras antigas era de Aristóteles (entre 384 e 322 aC), e, no entanto, não há sequer uma única frase em 1400 anos de citações em cópias que relacione uma ideia do filósofo como se fosse uma propriedade sua, exclusiva, que não pudesse ser usada sem sua autorização prévia. Platão, que viveu entre 427 e 347 aC, tem 1100 anos de documentos históricos que o citam, sem também relacioná-los com qualquer forma de propriedade intelectual. Durante o Império Romano, o período mais próspero da Antiguidade para o comércio de livros, também não havia nada parecido com o copyright ou qualquer regulamento semelhante (MITCHIE, 1978: The Epigrams). Somente a Ilíada de Homero, foi copiada, no mínimo, 643 vezes! A situação é semelhante na China e Índia antigas: Um antigo Provérbio Chinês diz que “Se dois homens vêm andando por uma estrada, cada um com um pão, e, ao se encontrarem, trocarem os pães, cada um vai embora com um. Mas, se cada um vir com uma ideia, ao se encontrar, trocarem as ideias, cada um vai embora com duas”. “Copiar” e “Semear” era regra na Antiguidade, tanto em textos religiosos como em registros civis.

CathachOfStColumbaO mais antigo registro sobre o direito de copiar vem da antiga Irlanda, no Catach, um antigo Salmotério do séc. 6. Ele contem a versão Vulgata do Salmo 30, e a frase “Assim como cada novilho pertence à sua mãe, cada livro pertence à sua cópia” está escrita no frontispício, autorizando cópias sem qualquer consentimento prévio. O cenário – a despeito da opressão ou do conteúdo – era sempre o mesmo: a busca e circulação do conhecimento tinham valor moral, e passar esse conhecimento adiante sempre foi eticamente correto.

Embora a fronteira entre mito e a ciência, entre magia e tecnologia, sempre fosse porosa, nunca ela esteve tão diluída como na Idade Média. E mesmo assim, ao caminharmos no tempo em direção ao presente, o que vemos é uma surpreendente uniformidade em torno do livre compartilhamento do conhecimento. Claro, houve resistências contra esse princípio. Mas, tal como hoje, ela vinha sempre do topo de pirâmides sociais altamente verticalizadas, não da plebe, não do povo, não das massas. Com o compartilhamento do conhecimento e a horizontalização da informação embutidos no inconsciente popular, resistir a esse fluxo era fundamentalmente contra-cultural.

A invenção e a difusão da prensa tipográfica de tipos móveis é amplamente considerada como o acontecimento mais influente do segundo milênio dC, revolucionando a maneira como as pessoas concebem e descrevem o mundo (exatamente como a internet está fazendo hoje). Ao contrário do que muita gente pensa, Gutenberg, um ourives de Mainz, apenas adaptou (de novo, hacking) as tecnologias já existentes, aperfeiçoando um processo de impressão que já existia, ainda que de forma incompleta. Apesar de sua originalidade, a inovação se espalhou pelo mundo sem qualquer forma de controle, porque tornou possível a criação rápida (cópia) de tipos móveis metálicos em grandes quantidades. Centenas de milhares de livros (uma quantidade semelhante a tudo que já tinha sido escrito na História, até então!) foram vendidos já no primeiro ano. A impressão logo se espalhou a partir de Mainz , Alemanha, para mais de duzentas cidades em uma dúzia de países europeus. Em 1500, prensas de impressão em operação em toda a Europa Ocidental já havia produzido mais de vinte milhões de volumes. No século 16, com prensas espalhando para ainda mais longe, a produção aumentou dez vezes (150 a 200 milhões de cópias). Em 1620, o filósofo Inglês Francis Bacon escreveu que a Imprensa, as armas de fogo e a bússola foram invenções que “mudaram a face do mundo“. Nenhuma dessas invenções tinha algum reclame exclusivista, ao menos nada parecido com patentes ou copyright (FEBVRE; MARTIN, 1976: “A Vinda do Livro: o impacto da impressão 1450-1800“).

A chegada da impressão mudou a estrutura da sociedade, introduzindo a era da comunicação de massa, precursora do Renascentismo. A circulação relativamente irrestrita de informação trouxe ideias e ideais revolucionários, que transcenderam fronteiras, galvanizando as massas para a Reforma, ameaçando o poder das autoridades políticas e religiosas, e aumentando exponencialmente a alfabetização e a Literacia, quebrando monopólios da elite letrada sobre o processo de educação e aprendizagem, reforçando um emergente processo de conscientização da classe média (BENEDICT: “Comunidades Imaginadas. Reflexiones sobre el origen y la difusión del nacionalismo“, Fondo de cultura económica). Soa familiar?

A imensa proliferação de livros e, portanto, de conhecimento, levou à fundação do poderio industrial da Alemanha, e a ausência completa de leis de direitos autorais ou um sistema de patentes foi o motivo da expansão econômica e do advento da Revolução Industrial. O historiador econômico Eckhard Höffner, diz que “uma massa incomparável de material de leitura estava sendo produzida”, concluindo que “houve uma explosão sem paralelo de conhecimento no século 19“. Ainda segundo o historiador, “uma forma completamente nova de compartilhar conhecimento“, e um “animado discurso acadêmico” foram estabelecidos.

Para o Cosmologista e Físico Teórico Stephen Hawking, se a indústria de patentes não tivesse se estabelecido como uma máfia, um cartel monopolista em resposta à explosão criativa e tecnológica da revolução industrial, as invenções e teorias não ficariam tão restritas apenas aos círculos acadêmicos mais restritos, ligados a militares de governos ou grandes corporações, mas seria tudo mais aberto, horizontal e compartilhado. Pense num despertar para as ciências que as crianças poderiam ter se, em vez de ensino religioso, fossem ministradas aulas de ensino científico, ou analogias com as grandes teorias e descobertas da Humanidade (o próprio Einstein elaborou a Teoria da Relatividade aos 16 anos, fuçando livros de uma Biblioteca Pública), sem quaisquer restrições metodológicas, intelectuais, ideológicas ou comerciais: pequenos gênios estudantis adormecidos poderiam encontrar um ambiente aberto e amistoso nas universidades, ou essas poderiam motivar essa busca, e teríamos uma Nova Renascença a cada geração! Já poderíamos ter chegado nas estrelas, não fossem as patentes”!

Mas não foi apenas a sociedade que mudou com a “invenção do livro” e seu posterior espalhamento. Houve uma profunda mudança na consciência política e auto-consciência cultural do povo, levando ao surgimento de uma nova forma de construto político (nacionalismo) que fugiu da unidimensionalidade ideológica dominante na época, acrescentando “uma dimensão a mais” ao debate político, até então praticamente inexistente, exatamente como hoje faz o movimento Pirata internacional, que expande o atual construto ideológico dominante, “acrescentando uma dimensão” a um espectro político bidimensional de 224 anos! Não é à toa que o símbolo do movimento (a bandeira pirata) nos remete diretamente àquela época! De fato, existem mais elementos piratas na história da humanidade do que elementos históricos de patentes, propriedade intelectual ou qualquer outra forma de concessão pública ou monopólio concedido pelo estado. Historicamente, uma cultura pirata sempre esteve presente, apesar de governos e impérios…

Depois da Renascença, do Iluminismo e da Revolução Industrial, o ser humano e o mundo natural voltaram a ser objetos legítimos do estudo humano. Juntos, essas disrupções nos sistemas vigentes incentivaram as pessoas a confiar em suas próprias observações e seus próprios julgamentos, preconizando que não deveríamos confiar em autoridades. Mas, concomitante ao enfrentamento a todo tipo de autoridade externa, deve-se combater também as autoridades internas, que muitas vezes nos aprisionam e nos mantém, a um só tempo, escravos e adoradores de “prisões” mentais e culturais, de uma maneira muito mais perversa do que a prisão externa. O preço de abdicarmos dessa liberdade resulta num enfrentamento apenas superficial, da autoridade. Ou, em outras palavras, “imaturidade”. Em seu famoso texto, “O que é o Iluminismo”?, Kant resumiu a imaturidade da seguinte forma: imaturidade é a “capacidade de usar seu próprio entendimento sem orientação de outro”, uma forma de privá-lo de poder ou influência (disempowerment, ou seja, desemponderá-lo), que de outra forma seria melhor aproveitado se fosse compartilhado. A despeito de todo entendimento que possamos ter, devemos reconhecer que quanto mais aprendemos, menos sabemos, e a humildade em ver no outro algo que nos falta é basilar no compartilhamento. A informação quer ser Livre! O Conhecimento é para todos! Dar às pessoas o poder, a liberdade e a informação que lhes permitam tomar decisões e participar ativamente dos processos deliberativos é, no final das contas, a verdadeira natureza do poder (empowerment, compartilhar poder), não instituições artificiais ou constructos cognitivos! A Maior Liberdade é a Liberdade Senciente. A liberdade não deve ter limites. Qualquer pessoa em qualquer lugar deve ter o direito de falar sobre qualquer coisa que bem entender, a qualquer momento.

Como reflexão, um case de um livro de John Casti (O Colapso de Tudo): pense por um momento num governo fascista, travestido de democracia, que confronta com uma população que descobriu a possibilidade de novas liberdades graças ao contato com o mundo exterior e que é coordenada por diferentes plataformas sociais. O desnível entre a complexidade do sistema de controle (“estado”) e a crescente complexidade do sistema controlado (“cidadão”, manifestações populares) precisa ser solucionado. Ignorando o background histórico das reinvidicações, e com o monopólio da força ao seu lado, a resposta do estado será sempre a mesma: REPRESSÃO. Eles prendem líderes, encarregam seus instrumentos coercitivos (“soldados”, “polícia”) de dispersar multidões e aplicam novas medidas de controle.

No entanto, uma vez que se compreenda que as reivindicações estão enraizadas na cultura e na história, apesar de um histórico de repressão, um estado que tenha um governo minimamente coerente intensificará a simplificação e achatamento (horizontalização) do sistema de modo a acelerar a realização de eleições mais livres, eliminará depressa as restrições a uma imprensa aberta e independente e criará possibilidades de mobilidade ascendente para os cidadãos, tais como hacklabs políticos, não-partidários, para que estes também sejam mais livres e independentes. (ver nota do autor ao final) A palavra-chave aqui é: INFORMAÇÃO. Se de fato o conhecimento é poder (e é!), então é certo que é a informação que liberta o indivíduo, despertando-o para esse poder. Assim, as reivindicações piratas possuem raízes históricas, e de uma maneira ainda mais profunda que qualquer outra reivindicação política na História Moderna. Mais do que nunca, nossos princípios precisam ser explicados às massas, pois essa compreensão histórica será a chave para nosso sucesso político.

“Dar Poder”. Essa é a essência do empoderamento! Se não pudermos empoderar os outros, como poderemos empoderar a nós mesmos? No final das contas, os “escravos da religião” que Nietzsche tentou libertar não são muito diferentes dos “escravos da Política” que são libertos por piratas todo os dias, por todo o planeta!

NOTAS DO AUTOR

  • Singularidade é um momento no tempo em que – a partir do ponto de vista de uma inteligência-base – uma inteligência posterior torna-se recursiva. A partir deste ponto, a nova inteligência torna-se incompreensível para a velha, e qualquer tecnologia daquela é indistiguível de magia ou mito, para esta. O domínio de uma nova fonte de energia está intimamente ligado à História da Tecnologia, e este, à evolução. O futurista Ray Kurzweill sugere que este evento aconteceu apenas uma vez em toda a história humana (o domínio do fogo) e especula que irá acontecer de novo, uma segunda vez, ainda nesse século.
  • A Igreja Missionária do Kopimism diz que o conhecimento é para todos e copiar / partilha de informação é sagrada. Esse ensinamento encontra eco nas mais antigas religiões do mundo: O Talmude, que registra a História Oral do Povo Judeu desde os tempos pré-Bíblicos (ou seja, anterior ao qualquer registro escrito da Bíblia), não fez nenhum reconhecimento moral ou qualquer distinção sobre quem elaborou, registrou e copiou o cântico; O Vidya Daan traduzido como Conhecimento Caridoso, um conceito em Daan , é um princípio de todas as religiões Dharmicas têm, que também valoriza o compartilhamento do conhecimento; Gyan Yoga , Jñana Yoga traduzido como exercitar a sabedoria ou o Caminho do Conhecimento, é a busca sagrada para o “Verdadeiro Conhecimento”; No hinduísmo, Conhecimento Correto é uma divindade em si, e qualquer tipo de Conhecimento escrito ou gravado é considerado sagrado, e deve ser protegido da obscuridade: “Oh Deusa Saraswati, seu tesouro de conhecimento (Vidya) é realmente deveras incrível! Se compartilhado, cresce e se não for utilizado, encolhe!”; A Torah judaica, em Oséias 4:6, diz que “a obstrução do conhecimento poderia ser a destruição da humanidade”; O “Novo Testamento” Cristão (A Bíblia KJV), em 1 Coríntios 13:02, diz que “ter todo o conhecimento do mundo é inútil, sem o desejo de partilha”. Filipenses 1:09 diz “E peço isto: que a vossa caridade pode mais e mais abundantes em conhecimento e em todo o entendimento”, e no Islã, o profeta Maomé disse: “A sabedoria é a propriedade perdida dos fiéis, onde quer que ele encontre, tem o direito de levá-lo [consigo]”. Está registrado que Maomé também disse que “Quem é questionado sobre o conhecimento que ele conhece e, em seguida, esconde e guarda-o, ele vai ser repreendido no dia do juízo com ‘freios de fogo'” (Sunan Tirmidhi, 4159, conforme relatado “Ahmad, Abu Dawud e Al-Tirmidhi”);
  • Um hacklab, ou media hacklab, é uma zona de tecnologia autônoma visando a promoção, uso e desenvolvimento de tecnologias emancipatórias como software livre e mídia alternativa. Hacklabs promovem a participação ativa e o uso criativo da tecnologia, em oposição à alienação e ao consumismo passivo frequentemente associado à tecnologia da computação. Estes espaços são normalmente encontrados em infoshops.

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