[Opinião] O argumento pela Renda Básica Universal

jan 22, 2016 | Artigos e Publicações, Notícias, Opinião PIRATA | 1 Comentário

A Renda Básica Universal [RBU] está de volta nas notícias. Finlandeses estão considerando sua implementação, assim como Suíços, substituindo todos os benefícios já implementados por uma pequena quantia para cada cidadão, dando dinheiro suficiente para sobreviver para todo mundo. Diferentemente da maioria dos programas de benefícios, a RBU não depende de você ser apto ou merecedor ou mesmo ser pobre. Todo mundo recebe; você, eu, Rupert Murdoch, o sem-teto dormindo sob uma ponte. Desde a última vez que ele foi proposto de forma séria por Richard Nixon em 1969, mais e mais economistas e blogueiros estão sugerindo que a garantia de Renda Básica talvez seja, em última instância, a salvação do capitalismo. A RBU irá eliminar pobreza, diminuir a desigualdade e melhorar vastamente as vidas das pessoas mais vulneráveis à nossa volta. Mas esse não é o motivo pelo qual nós precisamos dela. Ela pode parecer impraticável e até mesmo utópica, mas eu estou convencido de que a Renda Básica Universal será instituída dentro das próximas décadas porque resolve o problema mais fundamental do capitalismo moderno: a ausência de demanda.

A Tecnologia e o Capitalismo resolveram em grande parte o problema da oferta. Nós somos mais capazes de fazer mais coisas com menos insumos de capital e trabalho do que nunca. Temos o conhecimento técnico, temos os recursos, temos capital humano, temos dinheiro. A única coisa que falta nos negócios são os clientes. Fazer coisas se tornou fácil. Vender é o que deixa empreendedores (e os Bancos Centrais) acordados à noite. Salários estagnados nos dizem que a oferta de trabalho excede a demanda. Taxas de juros microscópicas nos dizem que temos mais capital do que precisamos. Desde a Grande Depressão, a maior parte dos economistas reconheceu que a demanda é o calcanhar de Aquiles da Economia moderna.

Nos últimos 80 anos, nós resolvemos o problema da demanda de três formas diferentes. A primeira é a guerra. Em 1938, a taxa de desemprego nos Estados Unidos estava em quase 20%. Em 1944, estava praticamente em 1%. Todo mundo sabe que a Segunda Guerra Mundial acabou com a Grande Depressão: mas é válido lembrar que não foi o assassinato de civis ou a destruição de cidades que revigorou a economia global, mas sim o massivo estímulo fiscal dado pelos empréstimos do governo. Se nós tivéssemos emprestado e gastado tanto construindo escolas, casas e estradas quanto gastamos derrotando as forças do Eixo, os efeitos econômicos teriam sido ainda maiores. A vantagem do Keynesianismo militarista é político: conservadores que detestam que governos gastem dinheiro são capazes de superar seu desgosto quando se trata de guerra.

A segunda maneira, que ocorreu durante a Era de Ouro do período pós-guerra, foi aumentar os salários. Entre 1950 e 1970, o trabalhador médio nos EUA viu seu salário real dobrar: desde então, os salários praticamente não aumentaram. Naquela época, as melhorias em termos de produtividade se traduziram quase que imediatamente em ganhos salariais. Assim como o salário de trabalhadores subiu, da mesma forma aconteceu com os gastos de consumidores. Aumento de produtividade significa que cada trabalhador foi capaz de fazer mais coisas. Aumento salarial significa que ele era capaz de comprar essas coisas. Publicidade transformou luxos em necessidades. Produtividade em combinação de altos salários deram à Era de Ouro o maior crescimento do PIB que o mundo jamais viu.

Na nossa era mais recente, de 1982 até a crise financeira, o motor da expansão econômica foi aumentar níveis de dívida privada. Depois de Reagan e Thatcher, os salários médios pararam de crescer, mesmo quando a produtividade manteve seu aumento inexorável. Com salários estagnados, somente através de endividamento os consumidores foram capazes de continuar gastando o suficiente para comprar tudo que produziam. Desde que bancos não tivessem problemas em emprestar, a economia seguia crescendo (ainda que mais lentamente do que durante a Era de Ouro) e a festa continuou. Mas, depois da crise financeira, tanto a disposição de famílias para arrumar mais dívidas quanto a disposição de bancos para emprestar se contraíram, deixando-nos com a economia estagnada na qual estamos presos hoje.

Esses três velhos métodos de estimular a demanda já foram superados. Uma Guerra Global poderia revigorar a Economia, mas a um custo insuportável. Salários em ascensão, infelizmente, são improváveis, com mais e mais de nós substituíveis por robôs, software ou trabalhadores estrangeiros recebendo menos. E níveis mais altos de dívida não apenas aumentam a desigualdade, mas também produzem instabilidade financeira. Então o que dá pra ser feito?

Todo ano, o progresso tecnológico nos permite fazer mais bens e serviços com menos insumos de trabalho e capital. Como consumidores, isso é maravilhoso. Nós podemos comprar bens melhores e mais baratos do que nunca. Como trabalhadores, no entanto, os aumentos de produtividade colocam nossos nossos empregos em risco. Conforme seguimos precisando de menos trabalhadores para fazer a mesma quantidade de coisas, uma parte cada vez maior de nós se torna redundante. E é provável que a coisa piore. A ascensão dos robôs talvez elimine cerca de 47% dos trabalhos existentes dentro das próximas duas décadas. Infelizmente, mesmo que um robô seja capaz de fazer um iPhone, ele não será capaz de comprar um. Se nós estamos marchando para um futuro de pós-escassez, somente a Renda Básica Universal pode garantir demanda suficiente para manter a Economia Global funcionando.

Não são apenas os pobres que ganham com isso. Os ricos conseguem exatamente o mesmo pagamento na forma de cortes de impostos. Corporações também ganham. Com mais dinheiro no bolso de consumidores, as vendas aumentam, lucros sobem. E já que empresas não precisam mais fornecer um salário para suprir custos de vida, os custos de trabalho cairiam, o que daria a empregadores razão para contratar mais. Enquanto isso, trabalhadores com uma renda garantida, não importa o quanto, teriam a liberdade de falar ao seu chefe irracional para “pegar esse trabalho e enfiar naquele lugar”. Esses benefícios sugerem que a RBU poderia receber um apoio considerável de diversos setores. Mas esses são meramente os benefícios colaterais.

Se o progresso tecnológico continuar a eliminar empregos, a Renda Básica Universal talvez seja a única maneira que nós seremos capazes de manter a demanda em um futuro pós-trabalho. Ao dar a cada cidadão um cheque mensal, a RBU se tornará um incentivo fiscal tão bom quanto foi a Segunda Guerra Mundial, mas sem requisitar o assassinato de milhões de pessoas. A Renda Básica Universal é economicamente sensível e politicamente prática. Então quais são os obstáculos?

O primeiro problema da RBU é que ela parece boa demais para ser verdade. Nós fomos instruídos a sempre suspeitar de qualquer promessa de “almoço grátis”, e dar dinheiro para as pessoas em troca de nada certamente parece como um presente sem custos. O medo da escassez está em nosso DNA. Para a Renda Básica Universal parecer viável para a maioria das pessoas, é preciso que aprenda que demanda, e não oferta, é o gargalo do crescimento. Nós precisamos reconhecer que dinheiro é algo que humanos criaram, não algo com oferta fixa e limitada. Com a flexibilização quantitativa, Bancos Centrais criaram dinheiro e deram ao setor financeiro, esperando que isso fosse estimular empréstimos. Hoje em dia, mesmo figuras mainstream como Lord Adair Turner, Martin Wolf e mesmo Ben Bernanke reconhecem que “soltar dinheiro de helicópteros” para as contas bancárias das pessoas teria sido mais eficiente. Tecnocratas estão começando a reconhecer a praticidade da Renda Básica. Nós da blogosfera econômica precisamos trazer essa mensagem para o olhar público. A ascensão dos robôs, o declínio de preços de bens e serviços e o desaparecimento de empregos talvez acabem nos ensinando essa lição de maneira mais eficiente do que qualquer número de artigos bem intencionados.

O segundo problema é sociológico. A maioria de nós ainda está empregada. Nós sentimos, de alguma maneira fundamental, que nossos trabalhos nos fazem mais dignos do que vagabundos preguiçosos recebendo benefícios. Isso simultaneamente faz com que não nos sintamos inclinados a aumentar benefícios para outras pessoas (ou aumentar o número de pessoas recebendo benefícios), e igualmente não inclinados a pensar em nós mesmos como o tipo de pessoa que recebe dinheiro do Estado. Adam Smith, em sua “Teoria dos Sentimentos Morais” (o livro que é considerado sua obra-prima), afirma que nós humanos somos motivados primariamente pela consideração alheia. Nós queremos que as pessoas pensem bem de nós e nós queremos pensar bem de nós mesmos. O prazer psicológico de considerarmos nós mesmos mais que meros recipientes de bem-estar pode superar o genuíno benefício econômico. Para deixar essa objeção para trás, nós precisamos reconhecer que nos definirmos pelos nossos empregos é muito século 20. Se o progresso tecnológico continua a matar empregos tradicionais, essa objeção também irá se dissipar eventualmente. Conforme trabalhos de tempo integral se tornam mais difíceis de encontrar, mais de nós irão reconhecer a necessidade da RBU.

O terceiro problema é talvez o mais central. Ao se estimular a economia e deslocá-la em direção a sua atual fronteira de possibilidades de produção, a Renda Básica Universal irá se tornar um estimulante de crescimento, mas é inegável que também será redistributiva. O bolo será maior e será cortado de maneira diferente. Pelos últimos 30 anos, nós estimulamos a economia lançando dinheiro em direção a gente rica. A Renda Básica Universal lança dinheiro em direção a pessoas pobres. E para muitas pessoas que fazem parte do 1%, isso é algo abominável.

Conservadores geralmente favorecem cortes de impostos como uma forma de estimular a economia. Ainda que eles não gostem de admitir, isso faz parte da cartilha do Keynesianismo. Desde que o governo não corte seus gastos, mais dinheiro nos bolsos de consumidores irá inevitavelmente aumentar a demanda. Infelizmente, cortes de impostos geralmente favorecem os mais ricos entre nós. E eles, diferentemente dos pobres, são mais inclinados a poupar ao invés de gastar a sua parte. Estimular poupanças é um desperdício de corte de impostos. Hoje, nós temos super-abundância de poupanças e um declínio de investimento e consumo. A RBU pode ser pensada como um corte de impostos voltado às pessoas mais propensas a gastá-la, que é o que a economia precisa.

A Renda Básica Universal resolve o problema da demanda, estimula a economia, aumenta os lucros das empresas, dá mais liberdade aos trabalhadores e gera uma rede de segurança para as pessoas mais vulneráveis. Ela é economicamente sólida e politicamente sagaz. Mas os ricos não temem o desemprego, eles temem a redistribuição; e eles serão a força mais significativa contra a implementação da Renda Básica Universal.

Texto original

1 Comentário

  1. Felipe Freitas

    Legal o texto, mas fiquei com varias duvidas:
    -A ideia da RBU seria todas as pessoas ganhando um mesmo montante de dinheiro todo mês, por exemplo? Isso independe do trabalho?
    -No caso de empresários, eles poderiam tirar do lucro da empresa para o bolso deles ou deveriam viver somente com base na RBU?
    -A RBU teria como base apenas uma moeda? Por exemplo: se a RBU for 100 dolares, no Brasil eu ganharia 100xcotação do dolar?

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