Opinião: 5 alternativas para a PEC 55/241

dez 13, 2016 | Notícias | 1 Comentário

 

Quando publicamos o texto “10 mentiras sobre a PEC 241“, o seu tom altamente crítico fez com que muitas pessoas mandassem mensagens perguntando quais seriam as possíveis alternativas para a proposta de ajuste fiscal apresentada pelo Executivo ao Congresso.

Assim, o objetivo desse novo texto é exatamente promover um debate amplo sobre todas as alternativas que estão sendo propostas não apenas por nós, mas por diversos especialistas, além de setores ligados à esquerda tradicional.

Importante destacar, as soluções apresentadas aqui não são excludentes entre si, mas podem e até mesmo devem ser combinadas entre si como uma forma de gerar uma solução permanente para a atual crise fiscal que afeta o Brasil.

 

1) Criar ou aumentar Impostos

Já consigo imaginar os olhares de reprovação de quem está lendo esse texto. “Como assim criar novos impostos cara, tá maluco? Essa é a tal solução que vocês estão propondo?!”.

Calma.

Como já constava no texto anterior, não há espaço político ou ambiente para a a aprovação de novos impostos, até porque, em última instância, esse foi um dos motivos que levaram ao Impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, mas como uma das mais óbvias soluções na mesa em um momento de déficit das contas públicas, ela deve ser discutida.

Imposto sobre Grandes Fortunas

Uma das bandeiras frequentemente mais defendidas pela esquerda tradicional, o Imposto sobre Grandes Fortunas, embora pareça interessante, não é uma ideia viável, como mostrou a recente experiência de sua implantação na França e cuja tendência é sua extinção nos próximos anos. Em grande parte pela alíquota do imposto de 2,5%, considerada alta demais.

Os motivos pra isso são muito simples: esse tipo de imposto acaba estimulando a evasão fiscal e até mesmo a saída de milionários do Brasil que, principalmente em um país tão desigual como o Brasil, vão acabar preferindo fixar residência no Uruguai ou Miami, ainda que na prática continuem morando no país.

Verdade seja dita, embora fosse o ideal, é muito difícil conseguir taxar o patrimônio dos mais ricos; pois, exatamente devido aos recursos que têm a sua disposição, eles acabam tendo muito mais capacidade de obter meios para evitar essa tributação e, consequentemente, a aprovação dessa medida iria apenas agravar o problema.

O único jeito dessa taxa ter algum sucesso é se fosse aprovada com uma alíquota baixa, algo como 0,5% e não apenas sobre os super-milionários, mas sobre todos aqueles que tem um patrimônio superior a 1 milhão de reais. Essa proposta, no entanto, mais uma vez esbarra na realidade, pois isso incluiria algo como mais 80% das pessoas atualmente eleitas no Congresso, que dificilmente aprovariam algo que prejudicaria a elas mesmas.

 

Imposto sobre Dividendos

Outra das bandeiras levantadas pela esquerda tradicional, o principal motivo por trás da proposta é o fato do Brasil ser um dos únicos países do mundo que, desde 1995, isenta completamente o ganho dos dividendos, ou seja, dos lucros que são distribuídos para os proprietários ou acionistas de uma empresa. Logo, aumentar esses impostos seria uma forma de fazer os ricos pagarem pela crise.

O problema levantado por especialistas, no entanto, é que como já existe a aplicação de Imposto de Renda sobre a Pessoa Jurídica (IRPJ), cobrar imposto sobre a empresa e sobre os dividendos simultaneamente implicaria em um problema de bitributação, pois você cobraria algo como 34% de Imposto de Renda sobre a Empresa e depois outros 34% sobre os lucros, o que – em uma soma burra – daria algo como 68% de imposto sobre uma única fonte.

Veja bem, taxar dividendos faz todo o sentido, pois faz parte de um debate maior – ver o ponto 5 Reforma Tributária – que o ideal era tributar renda (especialmente a dos mais ricos) e deixarmos de tributar consumo, mas tributar dividendos sem levar em conta esse detalhe iria apenas agravar a situação das empresas e expulsar investimentos do Brasil, agravando ainda mais a crise econômica.

 

Imposto sobre heranças

Sugerido em uma recente entrevista do atual Presidente da Cofecon, a ideia é ampliar o atual imposto sobre heranças, que no Brasil apresenta uma alíquota baixa, de apenas 4%, para algo próximo daquela aplicada em outros países, que chega a 40% em alguns casos.

Diferentemente do Imposto sobre Grandes Fortunas, o imposto sobre heranças faz mais sentido econômico, pois ele não incentiva o possuidor da fortuna a querer sair do país imediatamente como uma forma de preservar seu próprio patrimônio. Até porque ninguém sabe prever a data da própria morte.

 

CPMF

Ironicamente, aquele que foi um dos grandes responsáveis pelo sucesso do Impeachment se trata na verdade de um dos tipos de impostos mais neutros. Ele não onera mais os pobres do que os ricos, apenas retira uma parcela sobre toda e qualquer movimentação financeira. Seria um bom candidato, portanto, para um imposto que fosse adotado temporariamente, como previa originalmente o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy.

Ao mesmo tempo, o CPMF é positivo por outro motivo, pois como ele retira uma alíquota sobre qualquer movimentação financeira, fica mais fácil auditar quem esteja sonegando imposto. Pra isso nem seria necessário a imposição de uma alíquota alta, mas apenas de uma alíquota simbólica de 0,01%.

Por outro lado, esse é exatamente um dos motivos que levaram à sua extinção e à resistência que existe atualmente contra ele.

 

2) Alterar o modelo de aprovação do Orçamento

Um dos principais apoiadores da PEC 241, o Economista Delfim Neto, é a favor da medida pois acredita que com ela o Orçamento Público deixará de funcionar como uma “obra de ficção”, passando a ter uma base na realidade.

Verdade seja dita, em parte ele está certo. Principalmente quando observamos sob quais condições o Orçamento Público foi elaborado nos últimos 30 anos da Nova República. Nos primeiros 10 anos, o Brasil experimentou uma hiperinflação que tornava impossível sequer saber o preço de um produto no dia seguinte, quanto mais planejar os gastos de um governo para o próximo ano.

Os 10 anos seguintes, operando sob governos do PSDB, foram igualmente difíceis, pois o governo precisou conciliar um orçamento apertado e uma taxa de câmbio mantida artificialmente com uma série de crises internacionais, culminando com a Crise da Argentina de 2002. Já os 10 anos finais, operando sob governos do PT, conseguiram ajustar a taxa de câmbio e manter a inflação sob relativo controle, mas fizeram isso ao custo de manter a taxa de juros em um nível altíssimo.

E a questão dos juros é importante, pois nos últimos dez anos nos tornamos basicamente uma sociedade regida pelo crédito. Enquanto estávamos em um cenário favorável, sob o boom do mercado das commodities, foi possível pagar os compromissos que assumimos, mas apenas nos afundamos em dívidas na medida que o cenário internacional foi se tornando menos favorável.

Da mesma forma, isso ocorre com a construção do orçamento, pois desde pelo menos a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal em 1999, o tamanho final do Orçamento Público sempre foi feito com base no crescimento previsto pro ano seguinte, algo que foi particularmente prejudicial em 2015, pois o orçamento foi feito prevendo um crescimento de 3%, quando na verdade ocorreu uma retração de 3,5%.

Assim, se o modelo de aprovação do orçamento deixasse de ser desenvolvido com base no crescimento PREVISTO PRO ANO SEGUINTE e passasse a ser feito com base no crescimento REALIZADO NO ANO ANTERIOR, grande parte do atual problema seria resolvido, sem a necessidade da aprovação de uma Proposta de Emenda na Constituição e, adicionalmente, poderia até mesmo ajudar a reduzir expectativas de inflação sobre o ano seguinte.

 

3) Déficit Nominal Zero

Grande parte do atual apoio que o ex-ministro Delfim Neto vem mostrando à PEC 55/241 ocorre porque, embora ele não divulgue de maneira aberta, ele enxerga a medida como uma maneira de alcançar uma antiga proposta dele, que é a de Déficit Nominal Zero.

De forma bastante resumida, o conceito de déficit nominal zero está em contraste com o conceito de déficit real zero, no qual há um desconto da inflação. Grande parte do modelo fiscal aplicado na última década envolveu o chamado superávit primário, que era um esforço do governo para poder pagar os juros. O problema é que esse modelo de certa forma até mesmo ajudou a tornar mais atraentes os papéis da dívida pública, pois manteve o interesse do mercado em assumir papéis que sempre que pagavam regularmente e de forma sistemática.

Já o conceito do déficit nominal zero implica em um esforço progressivo por parte do governo em aumentar cada vez mais o superávit de modo a pagar não apenas a diferença real, mas também a diferença nominal, fazendo com que paguemos não apenas os juros implícitos do empréstimo, mas possamos também abater uma parte da dívida principal.

Em poucas palavas, seria como se nós estivéssemos pagando apenas o mínimo do cartão de crédito, mas com isso a dívida se mantivesse no mesmo patamar. O conceito do déficit nominal nulo é o de pagar um pouco mais do que o mínimo do cartão, abatendo o valor principal gradualmente e reduzindo consequentemente o percentual da dívida.

Indiretamente, é isso que propõe a PEC 55/241; ela direciona qualquer tipo de crescimento da receita de impostos diretamente para o pagamentos dos juros. O problema é que a medida é muito mais dura do que poderia ser necessário. Nos primeiros anos, ela vai funcionar exatamente como prevê a proposta de déficit nominal zero, mas, ao longo do tempo, o esforço extra para pagar os juros vai se tornar tão oneroso que vai acabar prejudicando os gastos sociais e, consequentemente, a Economia.

Se, ao invés de uma proposta burra como a atual que simplesmente congela os gastos, tivéssemos uma que envolvesse um determinado nível de esforço progressivo para que o orçamento fosse elaborado de modo a atingir um determinado nível de dívida ou de superávit, a medida faria muito mais sentido.

 

4) Safe Mechanism ou Mecanismo de Segurança

Entre todos os especialistas que se opõem à PEC existe um consenso de que o  principal problema da atual proposta é a duração prevista: 20 anos, ou 5 mandatos presidenciais. Nesse ponto, o principal problema da proposta não é seu aspecto técnico, mas o aspecto pouco democrático da medida, pois ele acaba restringindo a capacidade da população de determinar indiretamente a composição do seu orçamento através das eleições de representantes.

Exatamente como um jeito de remediar isso, algumas pessoas estão propondo a inserção de uma espécie de “Mecanismo de Segurança” (Safe Mechanism) dentro da proposta que permitiria que depois de um determinado período de crescimento econômico sustentável – 1 a 2 anos ininterruptos, por exemplo – parte da receita extra dos impostos possa ser incluída dentro do orçamento público com destino para gastos sociais.

Essa medida permitiria que a PEC continuasse atuando como uma espécie de “freio de mão”, que impediria o governo de gastar de maneira indiscriminada e buscaria uma trajetória econômica sustentável, podendo ainda destinar parte do crescimento da receita pública para gastos sociais.

Verdade seja dita, no entanto, grande parte da própria proposta da PEC 55/241 carrega em si um tom implícito elitista e tecnocrata que busca exatamente prevenir que venha a se repetir um resultado eleitoral como o da eleição de 2014, em que um governo prometeu uma determinada política e acabou praticando outra completamente diferente. Ou seja, ela inclui um “medo” da Democracia.

 

5) Reforma Tributária

Dizem que a mãe de todas as Reformas é a Reforma Política. Pessoalmente, acredito que é a Reforma Tributária. Isso porque um país até consegue conviver durante alguns anos com um governo ruim, mas ele não consegue prosperar se não tiver um ambiente econômico minimamente favorável.

Além disso, diferentemente da Reforma Política em que não há muita certeza sobre o que implementar – voto distrital, coligações partidárias etc – há um consenso razoavelmente consolidado sobre quais são as principais diretrizes de uma possível Reforma Tributária: um modelo que procure tributar mais renda e menos consumo, de modo que venha a estimular a economia, tendo ao mesmo tempo uma estrutura progressiva, de modo a tributar mais daqueles que ganham mais.

Esses conceitos simples, por outro lado, esbarram diretamente no atual monstro que se tornou a estrutura tributária brasileira, na qual são criadas em média 35 novas normas tributárias todos os dias. Mexer com uma estrutura tributária tão complexa provavelmente exigiria um esforço semelhante àquele apreendido pela Assembleia Constituinte durante a elaboração da Constituição de 88. Até porque ela provavelmente também exigiria uma reforma do Pacto Federativo, com a alteração de quais impostos são direcionados para Estados e Municípios.

Ainda assim, mesmo com todo o esforço e conflito que seria necessário, não é possível discutir uma solução permanente para o atual problema de arrecadação, o que inclui a atual situação crítica da dívida dos Estados, se não debatermos uma Reforma Tributária. Diante dela, a atual PEC 55/241 nada mais é do que um remendo, um jeitinho que permite que o Estado tenha algum fôlego para funcionar nos próximos anos.

 

Conclusão

Independentemente da sua posição ideológica, quero deixar algo bem claro: algum tipo de ajuste fiscal é necessário na atual situação do governo brasileiro. Não se trata do que é mais justo ou correto, mas uma simples questão matemática: o governo não pode gastar mais do que arrecada, principalmente se mantiver o atual ritmo de expansão da dívida pública.

Para entender isso, basta ver a atual situação do Governo do Rio de Janeiro, que vem constantemente adiando o pagamento de seus servidores. Se algo não for feito, essa pode se tornar a situação de todo o Brasil.

O que eu argumento, no entanto, é que a PEC 55/241 não resolve o atual problema orçamentário, especialmente no longo prazo. Se a PEC 55/241 for aprovada como está hoje, o seu efeito imediato será nulo (a gente não tem dinheiro mesmo). A curto prazo, ela conseguirá atingir o seu objetivo, mas com uma medida muito mais dura do que seria necessário e que irá restringir enormemente a liberdade do governo em definir o seu orçamento.

O principal problema da medida, portanto, se encontra exatamente na sua duração extremamente longa, pois com o passar do tempo as normas impostas pela PEC 55/241 vão se tornar tão restritivas que inevitavelmente irão trazer problemas. Ou seja, estamos plantando uma bomba que inevitavelmente irá explodir daqui a 15-20 anos.

As alternativas propostas aqui não são exclusivas, mas fazem parte de um debate maior que está sendo negado para a opinião pública em geral, onde temos basicamente uma polarização entre a PEC 55/241 e algumas propostas impraticáveis da esquerda tradicional.

1 Comentário

  1. Rafael

    E a isenção das instâncias (Educação e Saúde) que possibilitam projetos que promovem maior horizontalidade a médio longo prazo? Como poderíamos articular procedimentos que recortassem essas instâncias? Esse foi um ponto que não foi citado no texto, mas que está diretamente ligada a opinião do senso comum.

    Responder

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