O Problema Bilionário Brasileiro

nov 17, 2016 | Notícias | 0 Comentários

Para entender a desigualdade mundial, você tem que entender a desigualdade brasileira.
1 de agosto de 2016
 
Há pouco mais de 2 anos, em Abril de 2014, Capital no Século XXI (Capital in the Twenty-First Century), de Thomas Piketty, foi publicado e tomou o primeiro lugar na lista de Bestseller do New York Times. O livro de Piketty atingiu um nervo, ajudando a disseminar várias ideias – entre elas a de que o capitalismo não gera automaticamente uma distribuição de renda equitativa ou razoável e que prestar atenção nos 1% mais ricos é necessário para entender a política. Ele foca na concentração de renda da França, Grã-Bretanha e Estados Unidos nos séculos XIX e XX, lugares onde uma maior quantidade de dados está disponível para esses períodos. Mas, se Piketty fosse – ao invés de um economista – um reporter, trabalhando para entender o mundo que a desigualdade extrema criou, ele não teria olhado para esses países ricos. Talvez ele escolheria focar no Brasil, como Alex Cuadros fez em seu livro Brazillionaires (Brasilionários).
Cuadros, um reporter da Bloomberg, chegou ao Brasil em 2010 com uma missão parecida com a de Piketty: investigar não os 1%, mas os 0.0001% mais ricos. Parte do seu trabalho foi ranquear os brasileiros bilionários na Lista de riquesa mundial da Bloomberg , além de descrever seus negócios e suas vidas pessoais. Em Brazillionaires, ele consolidou e transformou esses perfis num atrativo e propulsivo retrato do Brasil moderno.
Cuadros usa seu retrato do magnata da mídia Roberto Marinho, por exemplo, para discutir como a grande mídia do Brasil retrata a corrida, e através disso, suas ideias e ideologias de corrida. Seu capítulo sobre Edir Macedo, uma pastor da “teologia da prosperidade”, permite a ele discutir a mudança das práticas religiosas. Apesar de cada capítulo tratar de um único bilionário, Cuardos inclui sua própria leitura dos fatos, além de jornalismo investigativo. Ele visita grupos comunitários em favelas e acompanha os voos de helicópteros de $1500 dólares por hora usados para evitar os engarrafamentos. O livro talvez seja mais revelador dos que seus personagens gostariam. Inclusive, o livro não estará disponível no brasil : um dos bilionários ficou insatisfeito com o que leu nos rascunhos e as editoras se amedrontaram.
O bilionário mais importante no livro é, inquestionavelmente, Eike Batista. Eike chegou a alcançar o 8º lugar na Lista de bilionários da Bloomberg, com patrimônio avaliado em mais de $30 bilhões de dólares. Ele não escondia sua ambição de se tornar o homem mais rico do mundo. Eike é campeão de corrida de barcos, tem implantes capilares de ponta, e já foi casado com Luma de Oliveira, uma modelo da Playboy e rainha de bateria. Um dos seus filhos, Thor Batista, registra seu torso musculoso no Instagram e, há pouco tempo atrás, dirigia uma Mercedes-Benz SLR McLaren que custava mais de $1 milhão de dólares. Eike e sua família dificilmente poderiam ser melhores representantes do modelo de vida “playboy bilionário” dos super-ricos
Eike também serve de simbolo dos problemas do Brasil atual, e cerca de metade dos capítulos de Brazillionaires são dedicados a ele. A  despeito do que parecem ser diferenças fundamentais em aparência e ideologia, Eike forjou um relacionamento pragmático com os governos  de centro-esquerda do Partido dos Trabalhadores. Até a Presidenta Dilma Roussef ser afastada da presidência por deputados da oposição em maio, o país vinha sendo governado pelo PT desde 2003, primeiro pelo metalúrgico e sindicalista Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011) e depois por Dilma (2011-2016). Depois de Lula assumir a presidência, a elite do Brasil preocupava-se com o quê aconteceria quando Lula, que já foi socialista, chegasse ao poder. O próprio Eike descreveu o fato como um retrocesso. Mas Lula estava determinado a quebrar a relação entre governos de esquerda e desordem econômica e criar alianças com as oligarquias brasileiras.
Lula abraçou um programa desenvolvimentista descrito por Cuadros como “não querer muito levar o país ao séc. XXI, com tecnologia e financeiro, mas ao séc. XX, com portos, represas e grandes empresas Brasileiras.” Já que Eike controlava um conjunto de empresas interligadas, a maioria no setor de mineração e gás, e havia feito altas apostas em extração de petróleo marítimo, ele recebeu grandes empréstimos do banco de desenvolvimento controlado pelo Estado brasileiro. Assim, ele se aproximou de Lula.
Corrupção é praticamente uma parte esperada nos negócios e acordos políticos do Brasil, e Eike, apesar de ser muito retratado como um empresário ao “estilo-americano”, “que venceu por conta própria”, não é, de forma alguma, excepcional. Ele ajudou a financiar um filme biográfico sobre Lula e gastou $250 mil dólares num leilão para comprar o terno que Lula usou em sua posse. Mas, apesar das evidências de corrupção e conflito de interesses no meio político, por um tempo todo mundo parecia estar se beneficiando. A economia brasileira deu enormes saltos. A classe média cresceu e os padrões de vida dos pobres melhoraram enormemente. Subnutrição caiu pela metade. Um dos principais programas de Lula, o Bolsa Família, oferece transferência direta dinheiro para os pobres, em troca, parcialmente, pela frequência escolar das crianças. Muitos dos bilionários entrevistados por Cuadros justificaram sua riqueza com alguma versão do argumento “o que é bom para a empresa é bom para o país”. A maioria dos Brasileiros achou esse pensamento aceitável: Lula deixou a presidência com uma taxa de aprovação de mais de 80%.
Mas os problemas  vieram à tona em 2013. O governo brasileiro e seus consumidores estavam muito endividados. O preço das Commodities estava em queda. A previsão da produção das plataformas de petróleo eram insuficientes para pagar seus custos, e sua empresa começou a falir. Seu patrimônio líquido estimado caiu de $30 bilhões para $1 bilhão negativo em menos de dois anos, e ele acabou no tribunal, acusado de uso de informações privilegiadas. Em 2012, seu filho Thor atropelou e matou um ciclista pobre em sua McLaren de um milhão. Seus julgamentos pareceram ser um teste sobre se os poderosos poderiam ser responsabilizados pelas suas ações, num tempo em que as pessoas comuns estavam sofrendo com a deterioração das condições de vida e tinham suas esperanças frustradas.
Durante essa história, Cuadros critica os bilionários retratados, mas não os censura. Em alguns ele encontra qualidades admiráveis. Mas ele esta ciente que os mitos contados sobre eles e por eles são profundamente prejudiciais. O mais próximo que ele chega do desprezo é quando pede a empregados do escritório de Jorge Paulo Lemann (que se tornou o homem mais rico do Brasil após a queda de Eike, e é dono da Burger King, da Budweiser e de parte da Heinz), para apontarem alguma nova invenção criada por ele, como um “empreendedor” deveria ter. Eles não responderam com nenhum exemplo, e Cuadros escreve: “Uma apresentação recente de um investidor da Heinz apontou inovações que incluíam mostarda amarela e molhos picantes. É destruição criativa sem a parte criativa.”
Muitos brasileiros pobres, ainda assim, admiram os ricos, como Cuadros deixa claro. Muitos da classe média direcionam sua raiva, ao invés, aos pobres. “Alguns de nós, como você e eu, temos que trabalhar,” ouviu uma vez de sua dentista:
“Mas temos essas pessoas que não fazem nada e podem viver uma boa-vida.” Quando a perguntei se ela põe seu dinheiro em CBDs – certificados de depósito bancário com juros altos – ela disse que sim. Ela ficou surpresa quando eu disse que isso também era um subsídio público, um muito maior, já que o governo paga enormes quantias de dinheiro para manter a liquidez dos bancos. Eu devia ter mencionado que três-quartos dos adultos no Bolsa Família também trabalham para viver.
Se Cuadros tem uma agenda, ela pode ser descrita como a enfatização do contingente de resultados econômicos, assim como os obstáculos para a mobilidade social e acesso, tudo o que faz a ideia de meritocracia nada mais que uma forma de justificar a desigualdade extrema.
Esses problemas – e essas conversas sobre mérito, bem-estar e distribuição de renda – não são, de forma alguma, exclusivos ao Brasil. E se Brazillionaires é, superficialmente, sobre o Brasil, ele também pretende ser sobre algo mais que isso. O Brasil, de formas importantes, é mais representativo do mundo que qualquer outro país. Ele tem estado, nas últimas décadas, entre os países mais desiguais do mundo. Se considerarmos todas as pessoas do mundo e medirmos a desigualdade, encontraríamos uma desigualdade maior que em qualquer país. Ainda assim, o perfil brasileiro é o que chega mais perto do mundial: uma classe dominante rica e pequena, uma classe média modesta e uma maioria de pobres que luta por salário e direitos.
O fato de que seus cidadãos estão espalhados por todo o espectro faz do Brasil excessão entre os países com alta desigualdade. (em contraste, os Estados Unidos, em termos monetários apenas, os pobres são classe-média nos padrões globais.)  O Brasil tem pessoas que são mais pobres que qualquer outra, e pessoas que são mais ricas que qualquer outra. Apenas um dos retratados por Cuadro expressou qualquer remorso sobre isso: Guilherme Leal, cofundador de uma empresa de cosméticos autosustentável, contou a Cuadros que ser um bilionário em um país pobre o deixava desconfortável. “eu acho que as sociedades mais felizes são as que têm menor desigualdade,” ele continua:
Onde todos podem ter uma qualidade de vida boa e razoável. Se eu tivesse que abrir mão de uma parte significante da minha riqueza, trinta porcento, quarenta porcento, para impostos, mas ao mesmo tempo pudesse viver num país com uma desigualdade menor, eu ficaria feliz.
Ainda assim, quando sua empresa foi requisitada a pagar centenas de milhões de impostos sonegados, ele disse “Aqui no Brasil, se você não tentar lidar de forma inteligente com o peso dos impostos, você irá a falência.” Se a desigualdade brasileira nos choca, e leva à injustiças óbvias, então devemos reconhecer que, como uma comunidade global, somos todos brasileiros.
Cuadros não explicita essa comparação global,  mas espalha pistas para uma terceira interpretação de seu livro. Mesmo o subtítulo da edição americana: “Wealth, Power, Decadence, and Hope in an American Country” (Riqueza, Poder, Decadência e Esperança em um País Americano) visivelmente não diz “País Latino-americano”, mas “Americano”. O ponto, claramente, é o de que esses problemas não são exclusivos do Brasil, mas também dos Estados Unidos. Ambientalistas nos EUA podem gritar aos berros enquanto faixas da Amazônia são derrubadas para soja e gado – ambientalistas brasileiros fazem o mesmo. Mas essa atividade não trás ganhos de curto-prazo para as regiões pobres do país – e, como Cuadros aponta, os EUA fizeram o mesmo com a fraturação hidráulica nos últimos tempos.
Ambos são países escravocratas que lutam contra o racismo institucionalizado e a violência que acompanha a patologização da racialização dos pobres. Ambos são lugares onde os ricos têm meios de garantir que sua prole prospere e se beneficiem ainda mais do que é público, como a educação. Corrupção institucional tem sua própria cultura no Brasil, onde pode ser ao mesmo tempo uma frustração cotidiana e um grande absurdo. (O juiz que cuidava do julgamento de Eike Batista por manipulação de mercado e uso de informações privilegiadas apreendeu parte de suas propriedades e depois foi encontrado dirigindo um Porche Cayenne que pertencia a Eike.) Mas e nossa prática de lobby legalizada, em que a experiência governamental pode ser  trocada por lucro privado, e as corporações e os indivíduos ricos têm grande influência sobre os resultados legislativos? A história dos nossos bilionários não é simplesmente de geração de valor social, mas também de bolhas, monopólios, abuso de informação privilegiada, e violência estatal e privada contra os trabalhadores. Os Estados Unidos é muito mais rico e sua democracia é mais velha, mas não é tão diferente assim.
Por causa das Olimpíadas, o Brasil está no centro da atenção mundial. Que os jogos cheguem em um momento de tumulto político e recessão é, sem dúvida, decepcionante para os líderes do país e muitos cidadãos. Mas a legião de jornalistas estrangeiros chegando para visitas curtas será certamente atraída pelo exótico: a beleza da paisagem e da população, o futebol, o carnaval, as favelas, etc. Brazillionaires é um lembrete para que expectadores nos Estados Unidos não olhem para o Brasil como um país exótico com problemas exóticos. Para contemplar sua condição é olhar uma retrato alarmante, e perceber que não olhamos para uma pintura, mas para um espelho.
artigo original aqui

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