O legado mais preocupante de Trump

abr 20, 2019 | Destaque | 0 Comentários

Se aprendemos algo com as eleições de 2018 é que se nós queremos saber o que vai acontecer no Brasil, devemos primeiro olhar para os Estados Unidos.

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texto por Joseph E. Stiglitz, link original aqui

Os ataques do Presidente dos Estados Unidos contra instituições orientadas por evidências ameaçam sua contínua prosperidade e até mesmo habilidade de funcionarem como uma democracia. Enquanto gigantes corporativos capturam as instituições que supostamente deveriam proteger cidadãos ordinários, uma distopia uma vez imaginada somente pelos escritores de ficção científica está emergindo diante dos nossos olhos.

Nova Iorque – a resignação forçada da Secretária de Segurança Nacional não tem razões para ser celebrada. Sim, ela é presidida sob a separação forçada das famílias na fronteira Norte-Americana, que se tornou notória por hospedar crianças em gaiolas de arame farpado. Mas não é provável que a partida de Nielsen vá trazer qualquer melhora, já Donald Trump quer substitui-la por alguém que irá carregar suas políticas anti-imigração de maneira ainda mais ríspida.

As políticas de imigração de Trump são pavorosas em quase todos os aspectos. Ainda assim, elas talvez não sejam o pior aspecto de sua administração. De fato, identificar seus aspectos mais macabros se tornou o passatempo mais popular nos Estados Unidos. Sim, ele chamou imigrantes de criminosos, estupradores e animais. Mas e quanto à sua profunda misoginia ou vulgaridade e crueldade sem limites? Ou seu tímido apoio a grupos supremacistas brancos? Ou sua retirada do acordo de clima de Paris, o acordo nuclear iraniano e o Tratado de força nucleares de médio alcance? E, claro, existe sua guerra ao meio-ambiente, ao sistema de saúde e ao sistema internacional baseado em regras.

Esse jogo mórbido nunca acaba, é claro, porque novos desafiantes em busca do título emergem quase diariamente. Trump é uma personalidade disruptiva e depois que ele se for, nós talvez possamos refletir sobre como uma pessoa tão moralmente danosa e perigosa pode ter se eleito Presidente do país mais poderoso do mundo.

Mas o que mais me preocupa é a disrupção de Trump das instituições que são necessárias para o funcionamento da sociedade. A agenda MAGA (Make America Great Again – façamos a América grande novamente) de Trump é, claro, não sobre restaurar a liderança moral dos Estados unidos. Ela incorpora e celebra egoísmo sem limites e narcisismo. MAGA é sobre a economia. Mas isso nos força a nos perguntar: qual é a base da riqueza dos Estados Unidos?

Adam Smith tentou responder essa pergunta em seu clássico livro de 1776, a Riqueza das Nações. Para os países, percebeu Smith, padrões de vida se tornaram estagnantes e então, a partir do fim do século dezoito elas começaram a declinar. Por que?

O próprio Smith era uma luz guia do grande movimento intelectual conhecido como iluminismo escocês. O questionamento da autoridade estabelecida que seguiu a Reforma anterior em uma sociedade forçosamente Européia a se perguntar: Como saberemos a verdade? Como nós podemos aprender sobre o mundo à nossa volta? E como podemos e devemos organizar nossa sociedade?

Da busca pelas respostas à essas questões que envolvem uma nova epistemologia, baseado no empirismo e ceticismo da ciência, que veio a prevalecer sob as forças da religião, tradição e a superstição. Ao longo do tempo, as Universidades e outras instituições de pesquisa se estabeleceram para ajudar a buscar a verdade e descobrir a natureza do nosso mundo. Muito do que nos foi dado hoje – de eletricidade, transistores e computadores a lasers, medicina moderna e celulares – é resultado dessa nova disposição, apoiada pela pesquisa científica básica (a maior parte dela financiada pelo governo).

A ausência de uma autoridade real ou eclesiástica para ditar como a sociedade deve ser organizada para garantir que as coisa vão bem, ou da melhor maneira que poderia, significa que a sociedade teve que descobrir como fazer isso por si mesma. Mas desenvolver instituições que iriam garantir o bem-estar da sociedade se tornou um assunto mais complicado do que descobrir a verdade sobre a natureza. Genericamente falando, ninguém poderia conduzir experimentos controlados.

Um estudo próximo de experiências passadas poderia, no entanto, ser informativa. É necessário se apoiar em racionalismo e discurso – reconhecendo que nenhum indivíduo possui um monopólio sobre nossas compreensões da organização social. Externo a esse processo emergiu uma apreciação que instituições de governança baseadas no Estado Democrático de Direito (rule of law), o devido processo legal e pesos e contra-pesos apoiados como valores fundamentais como liberdade individual e justiça para todos sejam mais prováveis para produzir decisões boas e justas. Essas instituições talvez não sejam perfeitas, mas elas foram desenhadas mais provavelmente para que as falhas sejam descobertas e eventualmente corrigidas.

O processo de experimentação, aprendizado e adaptação, no entanto, requer compromisso com a busca da verdade. Americanos devem muito do seu sucesso econômico a um rico conjunto de instituições baseadas na busca por evidências e instituições que verifiquem a verdade. As principais entre elas está a liberdade de expressão e a mídia independente. Como todas as pessoas, jornalistas são falhos, mas como partes um robusto sistema de pesos e contra-pesos sob aqueles em posições de poder, elas tradicionalmente proveram um bem público essencial.

Desde os dias de Smith, foi demonstrado que a riqueza de uma nação depende da criatividade e produtividade de seu povo, o qual pode ser avançado apenas ao abraçar o espírito científico da descoberta e inovação tecnológica. E isso depende de melhorias constantes na organização social, política e econômica, descobertas através do discurso público racional.

O ataque de Trump e sua administração contra cada um dos pilares da sociedade Norte-Americana – e especialmente sua agressiva vilificação das instituições baseadas em evidências do país – ameaça sua contínua prosperidade e sua própria habilidade de funcionar como uma democracia. Nem sequer parece haver pressão sobre os esforços dos gigantes corporativos em capturar as instituições – as cortes, legislaturas, agências regulatórias e lojas de atacado – que supostamente devem preveni-los de explorar trabalhadores e consumidores. Uma distopia previamente imaginada apenas pelos escritores de ficção científica está emergindo sob nossos olhos. Isso deveria dar arrepios ao pensar sobre aqueles que “vencem” nesse mundo e quem ou o que nós deveríamos nos tornar, apenas na luta pela sobrevivência.

JOSEPH E. STIGLITZ

Joseph E. Stiglitz é prêmio Nobel em Economia, professor da Universidade de Columbia e Chefe Economista do Instituto Roosevelt. Seu último livro, “People, Power, and Profits: Progressive Capitalism for an Age of Discontent” (Pessoas, Poder e lucros: Capitalismo Progressivo para uma era de descontentes), será publicado em Abril.

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