Paulo Rhedy

Em realidade digital, qualquer ação sua gera dados, informação. Com redes sociais, o comportamental de um usuário é ainda mais rico. O que pensa, como se manifesta, o que chama sua atenção, o que lhe causa uma reação. Inicialmente, essa imensa massa de dados que era controlada por alguns grande players do mercado digital como Facebook e Google, era utilizada pelo comércio usual. Vender, mas vender de forma segmentada, contextualizada e automatizada.

Mas o que significa uma comunicação segmentada, contextualizada e automatizada? Esses jargões técnicos precisam ser palpáveis. Frente a massa de dados, via utilização de algoritmo e bots, é possível identificar um perfil médio de discurso que é mais agradável para diferentes agrupamentos de pessoas. Há pessoas que são mais suscetíveis a uma abordagem emocional. Outras precisam de uma sequência lógica de comunicações (jornada mais complexa de convencimento). Algumas são impulsivas e abordagem no momento é mais importante que um conteúdo elaborado.

Esses perfis de comportamento são explorados de forma sistemática pelo mercado de performance e advertising. E tem vendido. E faz vender. Inclusive, eu sou uma das pessoas que aplica essa lógica na construção do processo de veiculação de publicidade para marcas promoverem seus produtos e e-commerces.

De certa forma, isso é uma manipulação. Eu utilizo uma infraestrutura de dados para entender como você pensa, se comporta, para induzir a um comportamento. Claro, é um comportamento de consumo. Eu tento fazer você usar o serviço B ao invés do C. Que você tenha mais confiança na marca A ao invés da D. É a busca da indução a comportamentos. E claro, isso não é 100% efetivo. Mas sempre há uma parcela que cede. Compra, consome e faz. Conversão, venda, comportamento.

A questão é que essas funcionalidade foram aplicadas e utilizadas para promover ideologias e promover candidatos políticos. São estratégias desenhadas para influenciar, engajar e mobilizar pessoas. Gráficos construídos com Big data de perfis psicológicos que utilizam desde perfil religioso, político, nível de inteligência, perfil emocional, nível educacional, devices de utilização, redes de utilização, nível de influência, tendência a ser influenciado.

Foi a partir dessa estrutura que utilizaram a estrutura da SCL para influenciar as eleições dos EUA e na votação do Brexit, e que Steve Bannon continua vendendo mundo a fora. Inclusive, se encontrou com políticos brasileiros. E isso com certeza foi aplicado em um grau no Brasil. Ele inclusive está promovendo algo que chama “the movement”, que busca promover o “nacionalismo econômico”, o “conservadorismo” e promover a ascensão da “direita”.

Essa estratégia, que provavelmente não foi utilizada exclusivamente pelo Bolsonaro, fica patente na matéria “O Fiador” da Revista Piauí, em que descreve como a filha de Paulo Guedes, a partir de uma de análise de big data que ela derivou a partir de métodos que ela aplicava em sua Start-up de seleção de Empregos, identificou que o cenário indicava que o vencedor da eleição seria provavelmente um Outsider. A partir daí ele começou a sondar o Luciano Huck e quando ele recusou passo a sondar o Bolsonaro.

A utilização do WhatsApp no Brasil não é gratuita. O perfil de funcionamento da transmissão de mensagens, a falta de transparência das empresas de CRM que disparam SMS e mensagens de WhatsApp, o foco gigantesco no Facebook por conta da sequência de vazamento de dados, das alterações superficiais no algoritmo para evitar o funcionamento de bolhas de informação, geraram o ambiente perfeito ao se somar o fato do perfil médio do brasileiro.

Essa utilização do Whatsapp que não é gratuita, mas que é vendida como tal pelas empresas de telefonia, apesar de ser algo proibido pelo Marco Civil da Internet, acaba auxiliando a furar os bloqueios de pauta das agências de jornalismo, driblar as regulações eleitorai vigentes e tudo de maneira totalmente anônima, de maneira a não deixar rastros, pois o conteúdo do Whatsapp é criptografado de ponta a ponta. Existem alguns mecanismos na Justiça Americana que permitem o Governo requisitar determinados tipos de dados das empresas localizadas no vale do silício, mas no caso da Justiça Brasileira a blindagem é completa.

O brasileiro é mais conectado via mobile. E o brasileiro médio utiliza serviços pré-pagos, com dados livres para… Facebook e WhatsApp. Com o Facebook estabelecendo fronts de combate a exploração de sua estrutura a fim de buscas recuperar sua credibilidade, o WhatsApp é o ambiente perfeito. Viralização pela funcionalidade de compartilhamento. Facilidade de distribuição de informações sem fonte.

Isso está conectado com empresas de CRM porque elas possuem aplicações para fazer envios em massa de conteúdos sequenciais. Novamente, vamos tornar isso em algo compreensível. Um usuário pode ter diversos grupos de WhatsApp. Houve até um político que admitiu ter centenas. Como enviar 5, 6 conteúdos por dia para centenas de grupos? Se for fazer isso individualmente, será a única coisa que você fará o dia inteiro. Mas se você puder ligar a sua conta de WhatsApp a uma aplicação e ela enviar aquele conteúdo de forma automática para todos os seus grupos que estão configurados dentro da régua de disparo que você configurou?

Bingo. E é assim que você aplica comunicação construída com as lógicas de dados dos dashboards de perfis comportamentais da SCL e de Bannon, em um canal sem monitoramento e controle, de forma massificada, efetiva e sistemática.

Mas quanto custa esse serviço? Cada disparo pode custa de R$ 0,06 a R$ 0,70, dependendo do perfil do cluster, da data base usada para o envio (quem são as pessoas, são contatos meus, são base da empresa de CRM, são uma base comprada?), claro isso falando de fazer isso legalmente.

Por isso, R$ 12 milhões de reais é um valor irreal para uma ação como essa? Nem um pouco. Imagine 45 dias de ação, com 5 disparos por dia, com 20, 30 bases de disparos diferentes, cada um enviando para algumas centenas a cada vez? Coloque um pequeno adicional para fazer na surdina, sem nota fiscal, sem rastro legal, no caixa 2. R$ 12 milhões parece até barato, já conheço contas de varejo que gastam na ordem de milhão de forma mensal com esse tipo de serviço, mas para fazer em uma escala menor que esse front simulado. E que fazem de forma legal.

Então, não é estranho nada disso que está aparecendo. É completamente crível. As peças do quebra-cabeça estão dispersas… mas juntando em um quadro completo, a imagem de uma campanha eleitoral que utilizou a lógica de manipulação de massa, aplicando com instrumentos de sofisticados de dados é, no mínimo, evidente.

Somando essas informações, junto com o fato de 30 milhões de contas no Brasil terem seus dados de identificação e geo-localização capturados recentemente por Hackers, não é difícil entender como foi possível gerar conteúdos meméticos que aparentemente tem baixa qualidade, mas com o maior impacto, ajudando a fortalecer determinadas convicções que já estavam presentes em meio à população.

É por essa crescente sofisticação de técnicas como essas que o historiador Yuval Harari, que se tornou um palestrante queridinho entre as empresas do vale do silício, escreveu recentemente sobre a falência da Ordem Liberal e a necessidade de uma revisão dos atuais modelos eleitorais, que originalmente foram desenvolvidos nos EUA no século XVIII. De certa forma é uma grande confissão de culpa das próprias empresas do Vale do Silício de que elas não conseguem monitorar e filtrar as informações que circulam entre a população nesse processos eleitorais.

De certa forma o Brasil, que é um dos países mais parecidos com os Estados Unidos por ser um país de dimensões continentais e marcado por fortes desigualdades sociais, acabou servindo como experimento confirmador da hipótese de que eles mesmos não serão capazes de monitorar adequadamente o processo eleitoral em suas próximas eleições presidenciais daqui a dois anos.

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Pular para o conteúdo