Opinião: Uma campanha Nacional-Positivista

out 22, 2018 | Destaque, Notícias | 1 Comentário

Grande parte das críticas que a oposição vem fazendo contra a campanha de Jair Bolsonaro focam em chama-lo de Fascista. Só que fazer isso implica em um vício de análise acadêmica muito frequente no Brasil: importar quadros analíticos da Europa como se eles se encaixassem perfeitamente aqui, mas que com isso perdem grande parte do seu contexto e do seu poder explicativo original.

Jair Bolsonaro não é fascista, ele é nacional-positivista, ainda que não seja um dos seus melhores exemplares. O positivismo é uma corrente muito anterior ao fascismo italiano e cuja influência se encontra inclusive impressa em nossa bandeira. “Ordem e Progresso” nada mais são do que uma extensão dos princípios positivistas: “O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim”. Só que no caso omitiram o amor (Hans Donner recentemente sugeriu colocar de volta )

Como aqueles que leram a tese “O Fim do Pacto Imperial” sabem, o positivismo de Comte, assim como diversas outras modas que foram importadas da França, como o Liberalismo Doutrinário Francês e o Espiritismo de Kardec sempre ganharam aqui uma proporção, uma expressão e uma continuidade que nunca tiveram em seu país de origem. No caso do positivismo, ele nasceu por iniciativa do Filósofo francês Augusto Comte de criar uma religião com bases racionalistas, sendo trazida e incorporada como doutrina pelo Exército Brasileiro ainda durante a Guerra do Paraguai.

Como Fernando Henrique Cardoso explica em “Os Inventores do Brasil”, a influência do positivismo no país se deu pela frequente participação dos Militares no espaço político, um traço muito presente nos países da América Latina. Como consequência do Exército ter se expandido muito principalmente após a Guerra do Paraguai, o mesmo passou a ser visto como um meio de garantir uma ascensão social em meio a uma sociedade fortemente marcada pela desigualdade.

Ainda sobre o positivismo, declara FHC:

“Os positivistas acreditavam que haveria um constante progresso da Humanidade. Achavam que para isso era necessário que houvesse ordem, disciplina e que tudo isso fosse comandado por uma pessoa: o poder pessoal. Na sua essência o positivismo confiava no Governo forte, científico, honrado e planejador. O positivismo confundiu-se com Getúlio Vargas, um positivista de coração.”

O traço mais mais marcante do positivismo era seu caráter aristocrático, pois ao mesmo tempo que se trata de uma ideologia esclarecida, que destaca o preenchimento de cargos com base no mérito e capacidade técnica, também era autoritária, pois praticava um planejamento feito de cima para baixo. Essa ideologia do Estado protetor, mas ao mesmo tempo planejador, não era exclusividade de direita ou de esquerda, pois tanto Luis Carlos Prestes, que se tornou um líder comunista, quanto Ernesto Geisel, que foi presidente durante o Regime Militar, comungavam de traços comuns da ideologia positivista.

O positivismo também era a principal corrente que estava em voga na Escola Superior de Guerra em 1964, que contava com Roberto Campos e diversos generais que haviam participado do movimento tenentista. Embora o exército hoje tenha uma mentalidade muito mais moderna, formada por meio da participação em conflitos práticos, como na Força de Paz no Timor Leste, diversos Generais que hoje estão na Reserva tiveram um contato, ainda que indireto, com o positivismo, de maneira que ele continua vivo.

Jair Bolsonaro nem deve saber quem é Augusto Comte, mas isso não é importante, pois você não precisa estar consciente dos aspectos conceituais de uma ideologia pra ser influenciado por ela. Como diria Keynes, é muito comum que as pessoas que conduzem seus negócios de maneira prática se vejam como isentas de qualquer ideologia ou influência intelectual.

É isso que explica casos como esse, em que a mulher no vídeo se diz “livre de ideologia” por ter estudado a vida toda em Colégio Militar, ou ainda das declarações feitas pelo General cotado para Ministro da Educação, que já afirmou ter como objetivo tirar a ideologia de Paulo Freire nas escolas, ou ainda a mensagem geral da campanha de Bolsonaro que tem como objetivo “livrar o brasil da ameaça comunista”.

É difícil dizer onde termina a retórica e começa o significado prático de tudo isso. O Regime Soviético que propagandeava o comunismo caiu em 1989, mesmo ano que voltamos a ter eleições. As ideias socialistas, assim como diversas outras ideias importadas de fora, incluindo o próprio positivismo, são bastante influentes na sociedade, sendo partes integrantes do campo de pensamento político brasileiro. Mas como você pode declarar Guerra a uma ideia?

A última vez que tentaram algo assim foi na Revolução Cultural Chinesa de 1966, que tinha como objetivo extirpar todos os traços da antiga ordem imperial até então vigente. Não deu muito certo. Foram criado comitês revolucionários, que agiram contra todos os burocratas (mandarins) e intelectuais que lançavam opiniões contra o Governo e as medidas chegaram ao extremo de incluir o extermínio um determinado tipo de ave que era associada culturalmente ao Imperador.

No final, após vários anos de conflito com suas antigas tradições, a China só conseguiu se entender enquanto Nação quando conseguiu se conciliar com sua própria História, que é o que retrata o filme “Herói” de Jet Lee. Nele o herói do título decide não matar o Imperador como planejava, pois apesar da trajetória de violência e mortes que foi necessário para que ascendesse ao trono, era melhor que ele continuasse vivo para que a China pudesse se manter unificada, prosperar e se manter em paz.

Da mesma forma, é importante que possamos nos conciliar com nossa própria História, pois, por mais violenta e desagradável que ela tenha sido (e ela foi, como a História normalmente é), ela é nossa e apenas nossa. Por isso, precisamos entender que não apenas as ideias Marxistas/Socialistas são partes integrantes do nosso campo de pensamento, mas também esse Liberalismo esquisito de base racionalista e aristocrática que herdamos da França, além do próprio positivismo.

 

Entendendo a cabeça de Olavo de Carvalho

No mesmo mês em que a Constituição completa 30 anos, tivemos uma das Eleições mais peculiares de todos os tempos. Ela foi especialmente peculiar porque os três candidatos mais bem colocados nas pesquisas do 1° turno, Ciro Gomes, Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, tiveram por trás de suas plataformas eleitorais três mentores responsáveis pela construção de suas retóricas, respectivamente Roberto Mangabeira Unger, Lula e Olavo de Carvalho.

Mais especificamente sobre o último, simplesmente não é possível entender essa eleição sem ao menos tentarmos compreender a cabeça de Olavo de Carvalho. Enquanto a Academia, enclausurada em sua torre de marfim, o ignorou durante anos, ele gravou centenas de videos no Youtube e conseguiu arregimentar muitos seguidores. Algo que se fortaleceu especialmente nos últimos anos, quando o sentimento anti-petista foi crescendo após a desastrosa gestão econômica do Governo Dilma Roussef.

Auto-declarado “único Filósofo do Brasil”, Olavo de Carvalho é um autor conservador e católico. Autodidata, ele passou anos lendo livros, consumindo obras e claramente demonstra ter um conhecimento amplo em diversos assuntos. Ainda assim, talvez por ser auto-didata e nunca ter sido questionado nem mesmo pelos seus seguidores, suas conclusões são frequentemente baseadas em ilações e extrapolações que parecem ser manufaturadas, seja de maneira consciente ou não, de modo a se adequar ao seu viés político.

Esse comportamento de oferecer conclusões forçadas e extrapolações que se encaixem em seu ponto de vista parecem apenas ter aumentado nos últimos anos, pois se comparamos o Olavo de Carvalho de vinte anos atrás, quando ele ainda vivia no Brasil e que era muito mais razoável, com o de hoje, em que ele vive isolado no meio dos Estados Unidos caçando Ursos e fica falando sozinho na frente de uma câmera, a coisa piorou muito.

Olavo de Carvalho é muito divertido de assistir se você já tem alguma formação anterior em Ciências Humanas, pois permite você distinguir em que pontos ele está dando uma informação relevante e em que pontos ele está estabelecendo falsas comparações. Mas para a maioria dos jovens que o assistem e tomam suas palavras como verdades absolutas, o resultado é um monte de teorias da conspiração que acabam criando vida própria.

É totalmente impossível desfazermos todas essas conclusões erradas aqui, então iremos nos concentrar em apenas alguns dos pontos frequentemente levantados por Olavo:

1) A partir da década de 50 e 60 os Sindicatos e Universidades operaram um plano Gramisciniano de implantação de uma hegemonia cultural baseada em ideias socialistas e Marxistas na sociedade: o Marxismo Cultural

2) A partir dessa mesma época a produção cultural e literária focada na construção uma identidade nacional foi interrompida

3) Existe uma conspiração globalista para disseminação do comunismo no mundo todo com participação de George Soros e outros banqueiros internacionais

Sobre o primeiro ponto, como vimos na tese “O Fim do Pacto Imperial” houve realmente um ponto de inflexão do interesse das elites e camadas intelectuais, que passaram a ser fortemente influenciadas por escritos Marxistas e passaram a apresentar um comportamento “de esquerda”. Essa inflexão também foi anotada por Gildo Brandão, baseado nos escritos de Antônio Cândido, que a registrou como parte da formação de um “pensamento radical de classe média”. Além dele, Thomas Piketty registrou esse mesmo fenômeno em outros países como a França e a Inglaterra em seu mais recente artigo “Brahmin Left vs Merchant Right”.

Esse fenômeno, portanto, que espelhou em grande parte o que ocorria no exterior, pode ser visto como resultado do que Mangabeira Unger denomina de “colonialismo mental”, no qual as ideias e obras produzidas no exterior acabam sendo vistas como hierarquicamente superiores àquelas produzidas dentro do Brasil.

Nessa mesma época todo o mundo ocidental passou por uma revolução cultural que agregou os Hippies, Beatles, Nova Era, mas também intelectuais como Sartre e o restante da escola de Filosofia Francesa que passaram a ser influenciados por essas ideias. O Brasil apenas espelhou esse mesmo fenômeno, só que de maneira mais velada, até porque não poderia te-la feito de maneira aberta em um ambiente político extremamente tenso, como foi o das décadas de 50 e 60.

Adicionalmente, como comentamos na segunda parte do “Fim do Pacto Imperial”, embora o conceito de hegemonia cultural tenha sido formalizado por Antônio Gramsci, ele já havia sido praticado pelos Regimes anteriores, como ocorreu por meio da criação da USP pela elites paulistas em 1934 ou até mesmo pela criação das Universidade Federais por meio do Decreto Imperial de 1827. A obtenção e preservação de formas de Hegemonia é algo sempre buscado por aqueles que estão no poder, mas se existe algo que parece estimular a produção dessas hegemonias políticas e culturais no Brasil é a própria estrutura do Estado Brasileiro, que é extremamente centralizada.

Sobre o segundo ponto, é bem verdade que a produção literária no Brasil se enfraqueceu bastante após a década de 50 e 60. Esse ponto já foi percebido por diversos críticos culturais, mas a ascensão da televisão como meio predominante de consumo de massa, além do próprio fortalecimento da censura no Brasil com o Regime Militar também podem ter sido fatores que contribuíram para isso. Afinal, porque eu vou escrever um livro de 300 páginas se existe o risco dele nem sequer ser publicado?

Além disso, parece que o ponto de vista conservador de Olavo se recusa a admitir que fenômenos culturais importantes como a Tropicália ou mesmo as músicas de Chico Buarque possam ser registradas como parte de um esforço de construção de uma identidade nacional. Parece que se uma determinada obra não abordar pensadores como Benjamin Constant ou Oliveira Vianna, não se trata de construção da identidade nacional.

É bem verdade que a esquerda sempre focou muito mais em uma uma plataforma “internacionalista” ou “universalizante” (aliás, um dos motivos pelo qual a URSAL fez tanto sucesso), preferindo se ver como parte de um “mundo maior”, como descreve a própria definição de “esquerda” definida por Deleuze (“eu coloco o mundo antes de mim mesmo”) do que em resgatar elementos do Império e da República Velha. Essa tentativa de resgate histórico é realmente importante e a esquerda deveria competir nesse processo, mas dizer que não houve construção de identidade nacional nesses anos todos é simplesmente absurdo.

Por fim, a figura de George Soros também foi abordada na segunda parte do “Fim do Pacto Imperial”, mas como alguém que ajudou a financiar movimentos que lutavam pelo fim do Regime Socialista em Repúblicas Soviéticas, pois ele mesmo fugiu da Hungria Soviética quando era criança. Embora suas ações de filantropia com o objetivo de forçar a criação de uma “sociedade aberta” certamente possam e devam ser criticadas, chamar o cara de comunista ou “esquerdista” é simplesmente incorreto.

Comunista, aliás, parece ter sido a palavra da vez nas eleições de 2018, já que todo mundo que parece discordar ou que não apresenta uma postura conservadora é consequentemente chamado de comunista, além de outros adjetivos de baixo calão.

No final, até por ser um dos poucos autores conservadores no Brasil, Olavo de Carvalho é como aquela criança nerd que não conseguiu se enturmar e fica sozinha no pátio na hora do recreio. Por não ter amigos com quem conversar e dialogar, acabou criando certas ideias exóticas e extrapolando determinadas explicações próprias pra se convencer de que não precisava gostar do resto dos amiguinhos da sua classe.

 

O surto de popularidade e a contra-campanha

Olavo de Carvalho apresentou um surto de popularidade muito grande a partir de 2015, quando suas teses sobre o Foro de São Paulo ajudaram a respaldar os sentimentos de aversão que os Brasileiros passaram a expressar contra o Governo Dilma logo após a sua reeleição. Só que grande parte desse sentimento de revolta tinha motivações muito mais econômicas do que políticas e que acabaram travestidas com roupagens moralistas a partir das justificativas ideológicas oferecidas por Olavo de Carvalho.

Depois disso, o Foro de São Paulo, que nunca tinha sido visto como problema pra ninguém, passou a ser visto como o grande Eixo do Mal, uma liga da justiça versão evil ou uma emulação do Sindicato de super-vilões do James Bond.

Veja bem, não estamos negando que o Foro de São Paulo exista, mas Fóruns internacionais de diálogo são algo que existe em qualquer vertente política. Existe o “Estudantes pela Liberdade”, o Fórum Internacional do Partido Republicano e até mesmo o Partido Pirata tem o “Pirate Parties International”, (que é meio mequetrefe, mas o pessoal se esforça).

Se o Foro de Sâo Paulo já teve alguma relevância foi coincidente com a ascensão dos Governos de Esquerda, que por sua vez coincidiu com o ciclo de commodities na América Latina. Isso permitiu que eles focassem por algum tempo um pouco mais em políticas sociais como Bolsa-Família e outros programas importantes, mas é óbvio observar que sua relevância caiu muito após a Crise de 2008.

Grande parte dessa plataforma anti-esquerdista do Olavo de Carvalho, acabou fundamentando ideologicamente boa parte dos esforços de campanha do candidato Jair Bolsonaro, que se guiaram por plataformas não convencionais.  Como, por exemplo, o joguinho da Steam “Bolsomito 2018”, que atualmente está sendo investigado pelo Ministério Público Federal por incentivar a violência. O jogo, que conta com a presença do Professor “Oráculo de Carvalho” e logo no começo aparenta ter patrocínio do Site “Terça Livre”.

Pesquisando o site, dá pra verificar que é ligado ao movimento “Monarquista” e logo abaixo da aba “O que é o Terça Livre?” aparece a aba “O que é o Foro de São Paulo?”

O site, que parece ter começado as atividades 2014, tem uma cara nova e foi totalmente reformulado em 2018. O site basicamente é composto por um canal de notícias e oferece uma plataforma com cursos, de maneira semelhante ao que faz o Brasil Paralelo (também influenciado por Olavo de Carvalho) e parece ter passado por um pico de visitas desde o começo do ano, passando de 300 mil, para cerca de 1,3 milhões visitas mensais.

Ideias semelhantes estão presentes na série de youtube “Zumbis em Brasília”. O que a princípio parecia ser apenas uma sátira política neutra, na verdade é uma espécie de propaganda velada de Jair Bolsonaro, que é mostrado, através de um roteiro muito bem trabalhado, como uma espécie de “Homer Simpson”, de maneira a “humanizar” as opiniões apresentadas pelo candidato.

A própria metáfora de um apocalipse zumbi é muito interessante, porque reforça a ideia de estarmos em um cenário em que todas as ideias políticas anteriores parecem ter morrido, além da própria violência em um cenário desse reforçar a necessidade de um candidato que tenha uma pauta e uma imagem necessariamente ligada ao militarismo.

A preferência ideológica do autor fica mais clara quando pesquisamos o Twitter do autor e vemos que ele retuita frequentemente Bernardo P Kunster, que parece associado ao Terça Livre. O autor anteriormente havia feito uma série de tirinhas chamadas de “aventuras de Jairzinho”, que já apresentavam algumas características da série “Zumbis em Brasília”

A série “zumbis em brasília”, que apresentou um salto de qualidade muito grande quando comparado aos trabalhos anteriores que o criador tem em seu canal, juntamente com o baixíssimo intervalo em que os episódios foram liberados durante a eleição parecem mostrar que houve um esforço concentrado para veicular essa série durante as eleições. Olavo de Carvalho também dá o ar de sua graça nos créditos, assim como vários de seus discípulos, como Felipe Moura Brasil, Nando Moura e Lobão.

Apesar de todas essas iniciativas serem em tese legitimas, pois foram feitas por grupos interessados em defender uma determinada pauta ou ideologia política, ao invés delas defenderem explicitamente ideias do conservadorismo, elas, juntamente com o restante da retórica da campanha, acabaram focando em validar subliminarmente a postura agressiva de Jair Bolsonaro. Algo que pode ajudar a explicar a multiplicação de comportamentos violentos, como os diversos casos registrados de agressão contra minorias ou com motivação política que foram registrados ao longo dessa campanha.

 

Uma coalizão de interesses

Como disse uma vez o funcionário da Cambridge Analítica em gravação oculta “O melhor tipo de propaganda é aquele que não é identificado como propaganda”. Da mesma forma, quando alguém recebe um vídeo muito bem produzido de críticas ao PT no Whatsapp de um amigo próximo, muitas vezes ele não sabe distinguir se aquilo é propaganda ou não.

Essas mensagens de Whatsapp, que inclusive já estão sendo investigadas como parte de um suposto crime de caixa dois, representaram tentativas de emular os modelos de propaganda que foram praticados na campanha de eleição de Donald Trump em 2016, muito baseados em memes e piadas que a princípio não pareciam fazer nenhum sentido, a não ser pra uma geração mais nova adequada às novas linguagens das redes sociais.

O que todas essas iniciativas parecem indicar é que houve um grande conluio entre diversos grupos de interesse que, movidos por uma plataforma comum anti-PT, decidiram colaborar na construção de uma campanha com uma linguagem voltada a apelar para a figura de militar aguerrido que Jair Bolsonaro representa.

Esse é um traço que pode ser diretamente associado às ideias do movimento Conservador. Como afirma o pensador neo-conservador Francis Fukuyama (sim, aquele que foi chamado de comunista pelos bolsominions) no livro “Construção de Estados” de 2004, existe uma hierarquia de prioridades sobre o qual um Governo deve se apoiar: primeiro Segurança, depois Economia, daí direitos sociais, etc. Somente quando uma base da pirâmide é atingida as outras devem ser priorizadas.

Isso bate com o que próprio Paulo Guedes afirmou na única entrevista pública na qual participou: “deixa ele dar uma sensação de segurança para o povo, enquanto nós formadores de opinião e mentes pensantes discutimos essas questões relacionadas com Economia”. A própria escolha de um ultra-liberal como Paulo Guedes para futuro Ministro da Fazenda, aliás, ressalta esse aspecto tecnocrata que sempre existiu dentro do positivismo.

Além disso, a escolha de tantos Generais da Reserva para compor um eventual Governo Jair Bolsonaro revela que a resposta do Governo diante de situações de pressão será consistente e frequentemente marcada por algum traço de “Autoritarianismo”, termo que foi resgatado por diversos Cientistas Políticos após a eleição de Donald Trump.

De acordo com a análise de diversos Cientistas Políticos Brasileiros, não parece haver riscos iminentes do Brasil voltar a ser uma ditadura no curto prazo, até porque os casos anteriores em que isso ocorreu foram em grande parte resultado de eventos externos, como a Segunda Guerra Mundial em 1937 com o Estado Novo e a Guerra Fria em 1964.

A maior parte dos riscos de uma degeneração da Democracia estariam muito mais associados a médio e longo prazo com o próprio acirramento do clima de briga de torcida entre a população, além da possibilidade de formação de milícias armadas. Algo que, ironicamente, tem uma chance muito maior de ocorrer se houve uma aprovação ampla e generalizada de posse e porte de armas para a população civil, como defende o próprio Jair Bolsonaro.

Essa aprovação, no entanto, não ocorrerá de forma automática, pois ela depende da aprovação da medida em um Congresso no qual Jair Bolsonaro não apresenta uma maioria consolidada, como mostra a tabela abaixo, e mesmo uma medida como essa certamente pode e deve ser alvo de fortes críticas tanto pela Imprensa quanto pela sociedade civil.

Em meio à uma campanha marcada por mensagens subliminares contra aqueles que são facilmente impressionáveis, talvez o mais impressionável de todos seja o próprio Jair Bolsonaro, que se encontra deslumbrado com sua própria e repentina popularidade. Qualquer governo futuro terá que ser marcado por reformas que terão necessariamente um caráter impopular. Com isso, o mais provável é que sua própria popularidade inevitavelmente venha cair ao longo do tempo, como ocorreu com o Presidente Francês Emmanuel Macron, que embora tenha sido visto inicialmente como queridinho da mídia, hoje amarga uma rejeição de 74%.

 

A ascensão de conservadores pede uma reação progressista

De acordo com o sociólogo Luis Rodrigues Azambuja – bit.ly/2AhXvlZ – existem vários grupos na base se de apoio de Jar Bolsonaro. O primeiro desses grupos é o movimento liberal por meio de lideranças como o MBL. O segundo grupo são os conservadores, um conjunto difuso de pessoas que começa a ser formado pela influência e popularidade do filósofo Olavo de Carvalho e tem se expressado politicamente na candidatura de Jair Bolsonaro e também em movimentos pró-monarquistas.

O terceiro e quarto grupo são bancadas parlamentares da antiga “onda conservadora”, mas que recentemente estão se posicionando mais à direita: o agronegócio e os evangélicos, junto com católicos conservadores. Por último, um grupo ligado às Forças Armadas e às Polícias Militares em favor de políticas de segurança pública mais duras.

Como os grupos Liberais mais representativos no Brasil são Liberais-Conservadores, o que esses grupos parecem ter em comum é uma coalização conservadora que tem como objetivo desenvolver uma campanha interessada em atiçar o medo, seja pelo estímulo ao medo de ideologias “esquerdistas”, como denomina o próprio Olavo, seja pelo medo da insegurança que consequentemente exige a implantação de “Ordem” em uma campanha que faz um claro aceno de agrado aos militares.

Não é a primeira vez que uma campanha presidencial é guiada mais pelo objetivo de inspirar medo do que pela esperança. Em grande parte a eleição de Collor também foi feita em cima do medo do comunismo, a eleição de 2002 teve a participação de Regina Duarte dizendo que tinha medo do Lula e na eleição de 2014 Dilma Roussef foi reeleita com uma plataforma que afirmava que se ela não fosse reeleita haveria desemprego em massa e seriam cortados todos os benefícios sociais – bit.ly/2PKBOk1

O que parece haver de diferente na retórica da campanha de Bolsonaro é essa constante e reforçada mensagem da necessidade de implantação de “Ordem” como uma prerrogativa para o “Progresso”, baseada na falsa, mas sempre reforçada dicotomia entre o “marginal” e o “Cidadão de bem”.

O marginal, como o próprio termo descreve, é alguém que vive à margem da sociedade e que acaba precisando se envolver em trabalho informais – empregos “pirata” – para poder sobreviver, o que inclui trabalhos como camelôs, ambulantes, artesãos e outras fontes de trabalho em que ele não pode ou no qual não tem condição de se formalizar.

Já o “Cidadão de bem” ao que tudo indica é uma variação do termo utilizado ainda no começo do Império dos “Homem Bons”, que era geralmente alguém que tinha terras, um emprego como profissional liberal ou algum outro meio de garantir sua própria sobrevivência.

Apenas essa rápida análise das origens de cada palavra já demonstra que a diferença entre esses dois grupos sempre foi muito mais uma diferença gerada pela desigualdade de renda e condição socio-econômica do que esse corte supostamente ideológico que os Conservadores sempre ostentaram, mas que na verdade ocultam preconceitos históricos que são carregados no Brasil há muitos séculos.

Somente isso já atesta que qualquer oposição ideológica em um eventual Governo Jair Bolsonaro deveria se guiar muito menos pela dicotomia essencialmente moral (e frequentemente moralista) que existe entre “Direita e Esquerda” e mais em uma divisão entre “Progressistas e Conservadores”.

Ou seja, o mais importante agora é estimular um debate entre aqueles que acreditam que os problemas que enfrentamos hoje são problemas de caráter essencialmente estrutural e de organização do Estado e da Economia, contra aqueles que acreditam que os problemas do Brasil tem uma origem essencialmente moral, seja ligada a uma degeneração dos valores morais e da Família como na Direita, seja ligado àqueles que frequentemente reforçam os limites do “Politicamente Correto” pregados pela Esquerda.

No fim, em meio a todo esse debate se a Ordem precede o Progresso ou se o Progresso precede a Ordem, talvez Hans Donner tenha razão. Talvez o que esteja nos faltando é o Amor.

1 Comentário

  1. Paulo Cesar Lelis T.

    O artigo é muito bom, uma reflexão coerente e bem discorrida. No entanto, como vivemos em uma sociedade em que a forma importa mais que o conteúdo, o exterior é mais cuidado que o interior, em que as aparências convencem mais do que a essência, devo alertá-los de que os vários erros de concordância, gramática e ortografia, levam a uma desqualificação intelectual, aparente e muitas vezes falsa, mas que é relevante para atingirmos e instruirmos o máximo de pessoas, devendo levar em conta esse aspecto. Como revisor textual por amor e Pirata por convicção, disponho-me a revisar os textos e ajudar em que for preciso o Partido Pirata e as mídias vinculadas. Aguardo resposta e/ou contato.

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