“Agora que eu apareci nu junto com Scarlett, quero ser um vilão do James Bond”

dez 27, 2015 | Artigos e Publicações, Notícias | 0 Comentários

Por Adam Pearson

Até quando posso lembrar, sempre fui fascinado por super-heróis. Eu não sei se eram as histórias do bem contra o mal, o fato de que a justiça sempre prevalecia ou apenas o fato de que o Batman sempre será o homem mais “cool” do planeta. Eu tenho 29 anos agora, e continuo desejando ser ele. Seus arquiinimigos, Coringa e Duas-Caras, faziam parte do apelo. Mas agora eu questiono o que exatamente esses personagens fictícios significam e dizem sobre a sociedade.  

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Vilões de filmes são frequentemente marcados, ou possuem cicatrizes, ou alguma problema de condição física. Nas histórias de James Bond, o vilão é sempre desfigurado ou possui alguma deficiência — e essas coisas são motivações para que essas pessoas tenham se tornado más. 

Em Skyfall, o filme mais recente, Raoul Silva é um ex-agente da M16 que se tornou um terrorista — e isso foi suficiente para que eu não quisesse mais seguí-lo no Twitter.

Mas, apenas para não restar nenhuma dúvida para audiência de que ele era o vilão, de que deveria ser temido, deram a ele dentes derretidos e a bochecha esquerda afundada (consequências de uma tentativa frustrada de suicídio — que legal!). 

Então, fico dividido. Sou um fã, mas me pergunto se essas representações são necessárias. Elas certamente não são realistas, então me preocupo com a mensagem passada sobre pessoas como eu, que possuem uma aparência diferente.

Minha condição genética, neurofibromatose, causa um excesso de tecido corporal e tumores não-cancerígenos.

“Changing Faces” é a maior instituição de caridade no Reino Unido que apoia e representa pessoas que possuem condições ou sofreram danos que afetam suas aparências. 

Em 2012, ela lançou a campanha “Face Equality in Film” [Igualdade Facial no Cinema], que pretendia reajustar a balança e desafiar a percepção da audiência.

A instituição criou um curta que contava com Leo Gormley, vítima de queimaduras, e Michelle Dockery, famosa por conta da série Downton Abbey. Nós vemos a bela Michelle sozinha em casa, e Leo em um carro do lado de fora. Eventualmente, ele bate na porta e ela atende. Ocorre um momento de suspense, e então eles se abraçam, e ele lhe da uma garrafa de vinho enquanto ela diz, sorrindo, “você chegou cedo!”. A tela fica escura e aparecem as palavras: “O que você achou que ia acontecer?”. A ideia é que as pessoas pensariam que ele faria algo terrível com a garota. 

Eu perguntei a James Partridge, chefe executivo de Changing Faces — que possui ele mesmos cicatrizes faciais — sobre a importância das representações na ficção. Ele me disse: “O modo através do qual as pessoas reagem no cinema pode transbordar para a vida cotidiana. Temos de aturar pessoas rindo de nós, recuando ou nos encarando como se não acreditassem no que estão vendo. É fundamental que a indústria cinematográfica leve isso a sério e comece a representar as desfigurações de uma forma mais balanceada”.

Será que estamos sendo excessivamente sensíveis? Recentemente, a YouGov perguntou às pessoas o que elas consideravam ser “caraterísticas de vilões” no cinema. Quase metade das milhares de pessoas que fizeram a pesquisa respondeu “cicatrizes, marcas e queimaduras”. Dentes ruins, calvície e uso de cadeira de rodas também foram apontados.  

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Eu não estou dizendo que precisamos abolir todas essas representações. Mas, se vamos ter personagens de cinema com desfigurações, por que não escolher pessoas que de fato as possuem para atuar? Certamente, nós nunca veríamos um ator branco “se escurecer” para fazer o papel de Mandela, para dar um exemplo. 

Alguns passos foram dados recentemente: Peter Dinklage, um dos atores principais de Game of Thrones, possui uma forma de nanismo. Ele tem sido escolhido para filmes onde sua altura sequer é mencionada. Um episódio de Call The Midwife recentemente contou com uma atriz que possui síndrome de Down e um ator com paralisia cerebral. 

Tendo tomado gosto pela minha primeira atuação no cinema, estrelando frente à linda Scarlett Johansson em Under The Skin (onde estivemos nus em boa parte do filme), fico me perguntado sobre o que mais tem por aí. Poderia alguém como eu se tornar uma estrela do cinema? Não vejo motivos para que isso não aconteça. Eu adoraria fazer o papel de James Bond, mas também gostaria de ser um vilão dele — quem não gostaria?

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Pode parecer contra intuitivo para mim ceder à mentira de que uma aparência um pouco diferente significa que você é mau, mas ouçam o que tenho a dizer. Quando era adolescente, eu era chamado de Elephant Man [Homem Elefante], Scarface e Quasimodo. Todos três personagens com cicatrizes, marcas ou doenças são vítimas ou assassinos psicóticos. Eu poderia atuar nesse sentido, mas, na vida real, não sou nenhuma dessas coisas. Contexto é o que importa aqui. 

No último filme de Wes Anderson, O Grande Hotel Budapeste, há uma personagem mulher com uma marca de nascença no formato do México, algo que não é aprofundado na narrativa mas que é significante mesmo assim.

Esses são os tipos de representações que precisamos ver. As que são simplesmente casuais. Da mesma forma, se eu fosse desempenhar o papel de um vilão de James Bond, eu gostaria de ser mau devido ao meu comportamento e não à minha aparência. Seria uma oportunidade para aumentar a atenção das pessoas para quem tem alguma condição que afeta sua aparência, como eu. 

Mas como eu me sentiria se uma criança usasse o nome de meu personagem como um termo abusivo? Bem, eu passei por isso, e odiei, mas algumas crianças sempre farão bullying, não importa se usam “gay”, “ciclope” ou “ginger” [termo usado pejorativamente na língua inglesa para pessoas ruivas]. O que eu possa fazer é ajudar a criar uma sociedade onde pessoas adultas não mantenham esses preconceitos ingênuos e imaturos. 

Para saber mais sobre a Changing Faces e a campanha pela Igualdade Facial, visite:  www.changingfaces.org.uk

     

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